Ouvimos música pra tudo: malhar, estudar, dançar, paquerar, transar… o que pouca gente ainda faz é ouvir música apenas por ouvir. “Não dá tempo”, você deve estar pensando enquanto lê isso. Mas e para os melhores álbuns do ano, será que dá tempo?
Os críticos Mario Martins, Yasmine Evaristo, Nathan Amaral e Matheus Fiore encontraram tempo e ouviram bastante música esse ano. A lista a seguir está em ordem meramente alfabética. Se você sente no coração que ficou faltando alguma coisa, dê um alô nos comentários!
A faixa inicial de Deus é Mulher traz os dizeres “minha voz uso pra dizer o que se cala”. Elza Soares aproximou-se de um público mais jovem e politizado desde que assumiu uma estética mais alternativa, que pode ser observada desde o lançamento de A Mulher do Fim do Mundo em 2015, na qual a militância ganha um tom mais explícito e atual, somado a instrumentais mais experimentais. O som se aproxima com o de bandas urbanas contemporâneas como o Metá Metá.
Na obra lançada esse ano mantém-se a qualidade, o padrão e as diversas sensações que Elza continua conseguindo carregar com sua voz. Há faixas dedicadas para a ascensão do neo fascismo, escola sem partido, a liberdade sexual da mulher, uma metáfora entre hienas e políticos e sem falar no título do álbum, que afronta a visão religiosa da figura masculina como entidade suprema.
Não se sabe até quando vão subestimar o Ghost, mas o álbum Prequelle só fortalece o argumento de que a banda conquista mais espaço no gênero do metal. Talvez o fato da voz de Tobias Forge ter uma sonoridade mais melódica do que agressiva tenha distanciado o grupo sueco de outros artistas do atual cenário, mas aqui ela cumpre a função de ponte entre esse metal lúdico que eles vem construindo.
Parecendo enriquecer mais o seu instrumental -que sempre se mostrou ser brilhante- o Ghost aqui demonstra um interesse em conquistar um espaço mais imaginativo, quase visual com o seu som. À medida que o uso de órgãos nos remetem para a questão sacra presente no conteúdo visual da banda, o repertório de instrumentos cresce e, junto com ele, as possibilidades sonoras. Prequelle consegue soar experimental, autêntico, bruto e medieval.
Com a voz dos oprimidos, no lugar de gaitas e guitarras, o rapper Baco Exú do Blues lançou Bluesman álbum no qual ele exalta a cultura afro-descendente, mas também aponta as dores sofridas por essa parcela da população.
O baiano Diogo Moncorvo canta, em 9 faixas, a dor das pessoas comuns – negros, mulheres e gays, como ele mesmo cita – em sua jornada cotidiana. É um álbum sobre saúde mental e tudo que pode abalá-la. Faixas como “Me Desculpa Jay Z” permitem que o ouvinte pare e pense na necessidade do autoconhecimento e do autocuidado em tempos tão violentos e desgastantes.
Baco consegue em 30 minutos dar uma aula sobre a história da resiliência das minorias.
“Sua pele é uma bandeira que brilha para todos nós.”
O sexto álbum do projeto de Devonté Hynes brilha em um ano onde R&B, rap e trap se consolidaram como o puro mainstream da música e da cultura pop. O ouvinte, em uma sessão despreocupada e sem a atenção devida aos pequenos detalhes que constroem a estrutura sônica do disco pode achar esse um sucessor fraco para Freetown Sound (2016) esse é um disco mais suave, que em momentos nos lembra de Daniel Caesar à Prince.
Ao se concentrar, não somente no que é sonoro mas no que é dito, há uma recompensa inexplicável: Negro Swan é um monumento sobre sexualidade, gênero e cor. É uma junção celestial das retóricas de To Pimp a Butterfly e No Shape: o poder artístico, sentimental e emocional de cada recorte humano que toca. O voo do Cisne Negro de Devonté Hynes é a pura beleza da subversão.
Em Ok Ok Ok, Gilberto Gil consegue soar introspectivo, ao mesmo tempo que rebusca todos os sentimentos cantados para a realidade. A beleza das letras precisa ser destacada aqui, desde já recomendando a apreciação das faixas “Jacintho”e “Lia e Deia”. O álbum carrega um peso existencial, de modo que nos faz atribuir desde uma leitura a vida pessoal do compositor até questões mais amplas da sociedade, atribuindo um teor reflexivo para a obra.
Participações especiais como as de Yamandu Costa, que ganhou uma música com seu nome e de João Donato enriquecem de forma espontânea o álbum. Um de forma literária, o outro de forma sonora, seja com as cordas ou com as palavras, Gil ainda consegue, após mais de cinco décadas de carreira, fazer um lançamento empolgante, bem produzido e marcante. Para relaxar, pensar, apreciar e se inspirar, Ok Ok Ok é um trabalho sereno.
A essa altura, já não é surpresa para ninguém que acompanha as tendências da música que Anderson Paak é um dos artistas mais versáteis do cenário mundial. O raper, produtor e multiinstrumentista americano alcançou grande sucesso com seu álbum anterior, Malibu, que lhe rendeu um Grammy de artista revelação.
Agora, com Oxnard, Paak mantém sua variação de gêneros e conceitos em um álbum ainda mais maduro e diversificado. Faixas como “The Chase” deixam nítido o poder de amarrar tantas variações em canções curtas e diretas, trazendo em uma música de apenas três minutos, elementos de funk, rap, soul, rock progressivo e jazz. O grande diferencial de Paak, porém, não é apenas essa diversificação, e sim a capacidade de manter sua personalidade em todas essas faixas, mesmo as que trazem participações de artistas grandiosos, como Kendrick Lamar.
Após um curto hiato, os suecos do Graveyard estão de volta com seu quinto e mais direto álbum, Peace. A banda já vinha sinalizando uma mudança para um som mais cru e focado no stoner desde seu trabalho anterior, Innocence & Decadence. Dessa vez, porém, essa transição é ainda mais direta, visto que o blues, elemento que foi muito presente do primeiro ao quarto disco, aqui praticamente inexiste.
Para quem procura pelo som mais saudosista com gostinho de anos 70 de trabalhos como o Hisingen Blues, certamente Peace vai decepcionar. Em uma ouvida mais atenta, porém, é nítido um amadurecimento da banda. O som mais direto, mais baseado em riffs potentes e uma melodia mais harmônica com o conjunto total, é um sucesso. Mesmo que afastado das próprias raízes blueseiras, o Graveyard consegue, mais uma vez, entregar um belo trabalho.