Com o iminente fim de Game Of Thrones, a HBO precisava de um produto à altura para se tornar a próxima grande febre da televisão. Veio então o projeto para adaptar o filme Westworld, de 1973. Assim como no longa, a série nos apresenta um mundo futurista, onde o ser humano é capaz de criar robôs com funções motoras, emoções e inteligência capazes de tornar quase imperceptível a diferença entre eles e nós, humanos. Na série, esses androides são usados em um parque temático que simula o faroeste americano do século XIX, conhecido como Westworld.
Como várias cenas evidenciam, os visitantes do parque não buscam simplesmente uma aventura imersiva, mas explorar seu lado mais introspectivo e instintivo. Nesse ponto, é curioso ver que de todos os períodos históricos passíveis de adaptação, o parque escolheu justamente o velho oeste, que durou apenas 30 anos na história americana e é lembrado como o tempo sem lei, onde a violência prevalecia.
Se os humanos se mostram praticamente animais selvagens ao adentrarem o parque, o mesmo não pode ser dito a respeito dos robôs. Ao lentamente adquirirem consciência e conhecimento da real situação, suas questões filosóficas e existencialistas são magistralmente inseridas por pequenos diálogos, gestos e mudança de atitude ao longo da temporada. Algo que impacta ainda mais essa polaridade de comportamento é a forma que Ford (Anthony Hopkins) descreve seus robôs, como objetos sem sentimentos, sem vida e sem sentido.
A responsável pela condução da história é Dolores Abernath (Evan Rachel Wood), a protagonista da série. Dolores é a anfitriã mais antiga do parque, e desde o primeiro episódio vemos o impulso, consciente ou não, de tentar se libertar. Já no começo da temporada vemos uma esperada (mas bem-vinda e bem feita) adaptação da alegoria da caverna de Platão, que é mais desenvolvida pela heroína, mas também está presente em outras subtramas.
É interessante notar que, no começo da temporada, a série utiliza poucas locações e mostra os androides do parque agindo de forma mais óbvia, mas conforme a serie aprofunda no parque, não só conhecemos mais locações, como tipos de robôs totalmente diferentes, além de vermos maior profundidade nas máquinas (e cada vez menos nos humanos). O espectador, graças à direção do programa, vai entendendo a natureza daquela sociedade e de suas criações ao longo do tempo, juntamente com o despertar de Dolores.
Ford, fundador e diretor criativo do parque, é o mais complexo personagem apresentado. Genialmente interpretado pelo lendário Anthony Hopkins, é responsável pela construção de boa parte dos robôs anfitriões de Westworld. Capaz de dizer muito com olhares e sorrisos, Hopkins constrói um Doutor Ford imponente, arrogante, seguro e com fortes tendências psicopatas. Seu desapego tanto pelos humanos quanto pelos robôs é essencial para mostrar ao público a visão que Ford tem de si mesmo, alguém melhor, que tudo e todos.
Não muito atrás estão os personagens Bernard Lowe (Jeffrey Wright), chefe da divisão de programação do parque e o Homem de Preto (Ed Harris), um solitário anti-herói em uma sangrenta busca pela mais complexa narrativa de Westworld: o labirinto. Bernard é um complexo elo entre os dois mundos que nos traz alguns dos mais profundos questionamentos da temporada, que nos fazem questionar a natureza humana e tentar achar o ponto que nos diferencia de um robô. Enquanto o Homem de Preto, misterioso, é encarregado de protagonizar as principais cenas de tensão de Westworld e personificar a decadência moral e ética da humanidade.
Além desses, vale destacar Maeve (Thandie Newton), um dos androides do parque que, assim como Dolores, tem sua existência questionada e começa sua busca pela verdade. Maeve é, além de uma interessante e bem escrita personagem, uma inteligente forma do roteiro de fazer a ligação entre o parque e o exterior, mas diferente de Bernard, do ponto de vista de quem vive em Westworld, o que dá destaque maior para o lado negro do humano.
Há três grandes acertos na temporada. O primeiro é a capacidade de dar profundidade à vários personagens sem a necessidade de muitos diálogos óbvios e expositivos. Poucos estão lá como suporte, possuindo seus próprios dilemas e objetivos. A segunda é, ao ter esses personagens bem estabelecidos, junta-los em grupos e formar separados núcleos narrativos com suas próprias tramas. O terceiro é consequência dos dois primeiros: a genialidade do script de Jonathan Nolan e Lisa Joy ao mostrar como cada núcleo interfere no próximo. As ligações entre as tramas de todos os personagens são feitas sutil e organicamente.
Mais do que ousada em administrar tantas narrativas sem dedicar-se apenas à protagonista, a série é inteligente ao não pegar na mão do público e guia-lo de forma óbvia. Westworld faz questão de não esfregar suas revelações na cara do espectador, e muitos que assistem sem atenção podem demorar para entender os personagens, suas histórias e motivações. Em uma época onde o público é cada vez menos atento, é louvável que a HBO tenha a audácia de fazer algo que poucas obras fizeram até hoje.
E se não bastasse toda a qualidade narrativa de Westworld, cabe ainda mencionar a escala de produção. Dos figurinos aos cenários e efeitos especiais, a série não deve nada às mais caras produções Hollywoodianas, aparentando inclusive ter um investimento maior que o de Game Of Thrones. Não só a ambientação faroeste é perfeita, quanto a estética dos robôs e toda a parque externa ao parque têm um capricho digno de prêmio.
As roupas, aliás, não são mero capricho estético e possuem impacto narrativo, como o personagem que incia sua aventura com um chapéu branco, e conforme vê seu verdadeiro caráter se revelar, o chapéu vai se tornando empoeirado e escuro. Tão importante quanto é a manutenção dos trajes em preto e branco por parte de Ford, que caracteriza sua sobriedade e segurança.
Para coroar esta linguagem, a sempre eficiente direção, como se a câmera fosse um ilusionista, conduz o espectador ao erro, sempre despistando e, através da inversão de perspectiva, plantando elementos que só são explorados muitos episódios depois. Mesmo não sendo capaz de esconder todos os segredos do público, Westworld ainda consegue guardar boas e inteligentes surpresas para seus últimos episódios.
Mais focada em desenvolver as subtramas e dar uma enorme profundidade à seus personagens do que criar estereótipos e estruturas narrativas clichês, esta primeira temporada de Westworld faz seu trabalho com perfeição e não só sinaliza um substituto para Game Of Thrones na grade da HBO, como pode vir a ser uma nova revolução na linguagem televisiva. Há enorme potencial para desenvolver as questões existenciais entre o que difere uma vida humana de uma vida artificial, que são sutilmente exploradas aqui, mas que podem (e devem) ser mais dissecados no próximo ano.
Apesar de tantas qualidades, Westworld tem seus deslizes, mas os principais são erros inevitáveis para uma série de TV. Por ter uma trama com alguma complexidade, eventualmente o roteiro se vê obrigado a amarrar as pontas soltas, o que resulta em um excesso de diálogos expositivos nos dois ou três episódios finais.
Essa primeira temporada de Westworld tem um truque em sua estrutura narrativa que é inserido apenas no segundo episódio. Não é, porém, feito de forma óbvia, o que pode tornar a série confusa para os que não peguem a ideia imediatamente. Porém, se o espectador conseguir compreender esse truque, terá facilidade em encaixar todas as peças do roteiro, o que pode resultar em um final menos impactante. Mesmo assim, a série é inteligente ao conseguir guardar surpresas para os derradeiros minutos desse primeiro ano e criar grandiosas expectativas para o próximo.
Alguns dos toques mais fantásticos de Westworld estão em pequenos detalhes. Tão sutis quanto os devaneios improvisados dos anfitriões, alguns passam despercebidos, mas ajudam a construir a personalidade dos personagens e dão indícios de segredos que só são revelados nos últimos episódios. Utilizando a roupagem de ficção científica para trazer interessantes questionamentos filosóficos, Westworld é uma série sem medo de desafiar seu espectador. Diferente de tantas obras televisivas de baixo nível artístico que te fazem desligar o cérebro, esta veio para fazer o público usa-lo.