Alien: Covenant

Alien: Covenant

Gustavo Pereira - 7 de maio de 2017

Foi num Nerdcast que ouvi a melhor definição sobre Ridley Scott: “o Vanderlei Luxemburgo do Cinema”. O diretor de Alien: Covenant, que já foi imenso, não emplaca uma obra incontestável desde Gladiador. De lá para cá, 17 anos e 13 filmes. Uma sequência irregular, com alguns melhores do que outros, mas nada que entrará para os livros de História do Cinema. Comparando com a carreira do ex-treinador em atividade, Covenant talvez seja o título do Campeonato Carioca de 2011, que o Flamengo treinado por “Luxa” conquistou de forma invicta: os entusiastas podem enaltecer, mas os realistas sabem que não foi nenhum grande feito.

Realmente fora de série é a locação: o Fiordland National Park, em Southland (Nova Zelândia), de tão intocado pelo homem, de fato parece outro planeta

Alien, o terror espacial definitivo (leia o Canto Cult assinado pelo Matheus aqui), é memorável graças a uma direção inteligente, que alterna transições harmônicas de quadro com movimentos de câmera abruptos, uma fotografia que aposta em iluminação diegética – a sensação claustrofóbica de não conseguir ver um metro à frente da fonte de luz dá ao público o mesmo incômodo dos tripulantes da Nostromo – e a um roteiro magnífico, que cria a textura de horror graças a esta ameaça subestimada que nunca é vista e pode estar em qualquer lugar. O desconhecido aterroriza mais do que a criatura assassina. Se Prometheus já havia pecado pelo roteiro, Covenant também apresenta um passo atrás nos elementos técnicos. Parece um filme no piloto automático.

Alien: Covenant volta no tempo para mostrar o “nascimento” de David: o melhor personagem de Prometheus é decisivo no novo filme da franquia

Um verdadeiro atestado de que Prometheus foi um erro é a forma como Covenant gasta tempo para explicar novamente trechos da trama intrincada e acrescentar detalhes sobre particularidades do sintético David (uma atuação louvável de Michael Fassbender, mas incapaz de salvar o filme), que claramente não foram concebidas originalmente, mas precisavam ser forçadas goela abaixo do espectador para que o novo filme fizesse o mínimo de sentido. Mas algo de bom se tira disso: o enigma dos Engenheiros é resolvido de forma definitiva aqui. Nunca mais – e isso é um feito considerável em Hollywood – ouviremos falar deles.

Edgard Allan Poe escreveu que “os olhos são a janela da alma”. Ao iniciar o filme com David abrindo os olhos pela primeira vez, Scott nos questiona: uma inteligência artificial pode ter um equivalente à alma humana? O próprio filme responde na fotografia. Repare que o quadro é predominantemente tomado de cinzas e mesmo o azul do olho é fechado. Esta paleta fria, que em momento nenhum inspira emoção, deixa claro que a parte mais humana de David é a aparência. Seu interior é desprovido de sentimentos.

A abertura de Covenant que, a exemplo do que acontece em Prometheus, é o ponto alto do filme, também mostra que a escolha do nome do androide é diretamente influenciada pelo David bíblico, personagem de origem simplória que alcança glória e poder ao matar o gigante Golias. Sua predileção por Wagner, compositor alemão alinhado a ideais revolucionários e abertamente anarquista em um momento da vida, é outra pista sobre o futuro do personagem. O diálogo com seu criador, Peter Weyland (Guy Pearce reprisando o papel de forma muito mais digna do que no filme anterior), mostra que David já “nasceu” insatisfeito com a ordem social em que está inserido, na qual seu papel é servir aos humanos.

Quando finalmente as “notas de rodapé” de Prometheus terminam e Covenant começa de fato, descobrimos que a missão da nave que dá nome ao filme – “covenant” significa “aliança” em inglês – é transportar um grupo de dois mil colonizadores para um planeta distante, com condições ambientais similares às da Terra. Enquanto a tripulação dorme em sono criogênico, Walter, o outro sintético interpretado por Fassbender, mantém a nave em ordem.

Até que algo dê errado

Um acidente tira a tripulação da Covenant da estase, o mesmo momento em o principal problema de Prometheus volta com força máxima: o roteiro só avança graças a decisões estúpidas de personagens que, em tese, são cientistas altamente gabaritados para a missão (muitos de nós ainda não superamos o geólogo que se perde numa caverna mapeada por ele mesmo e o biólogo brincando com uma cobra espacial claramente hostil).

Voltando a Alien, as decisões temerárias da tripulação da Nostromo são licenças poéticas perfeitamente justificáveis. Certamente, fumar dentro de uma nave espacial, um ambiente rico em oxigênio, causaria uma tragédia, mas este gesto simples demonstra que o ato de viajar pelo espaço é comum. Não há mais a necessidade de ser um atleta com anos de preparo para desbravar o cosmos. Qualquer um pode fazê-lo, e exatamente por isso aquelas pessoas não estavam nem remotamente preparadas para a ameaça que as espreitava. Isso não é permitido em Covenant, da mesma forma que não foi em Prometheus. Se a reação de um cientista diante de um espécime desconhecido é brincar com a criatura sem nenhum cuidado, ele não deveria ter sido contratado para o trabalho. A menos que a Terra da franquia Alien seja a mesma do filme Idiocracia.

Covenant se apresenta como uma ficção científica hardcore ambientada num mundo de horror. Mas, quando o filho chora e a mãe não vê, o roteiro é mais furado do que um queijo suíço. Todos os problemas começam motivados por uma demanda da tripulação que colocaria qualquer criança de cinco anos de castigo para pensar no próprio egoísmo. Todos os personagens são absurdamente imprudentes e a sequência de trapalhadas que cometem faz a audiência desejar que cada um deles morra da pior forma possível. E, quando isso acontece, não lamentamos as perdas: a tripulação é composta exclusivamente por casais, mas nenhuma relação é trabalhada para que nos importemos com a dor de alguém perdendo seu companheiro em um mundo hostil. O filme não falha apenas como ficção científica, mas também como terror. Se Alien cola o espectador na cadeira pela imprevisibilidade, em Covenant só faltou um letreiro de neon escrito “morte a seguir”.

A origem do Facehugger, além de presente nos trailers, é um “fan service” sem nenhum peso assustador. Comparar à cena de Kane no original é ofensivo.

Alien: Covenant é a prova de que boas referências não fazem um bom filme. Toda a composição de David e o choque de suas ideias com as de Walter (se o sintético de Prometheus escolheu seu nome inspirado no rei de Israel, o de Covenant provavelmente se inspirou em Walter Raleigh) não justificam o maior furo do roteiro: inteligências artificiais são baseadas em lógica, só existe a ilusão de sentimento (para mais detalhes, ler o conto “Andando em círculos”, de Isaac Asimov). As menções às cenas clássicas do primeiro filme falham pela absurda previsibilidade e, mesmo nos aspectos técnicos, irretocáveis em Prometheus, houve uma involução: planos monótonos, fotografia genérica, câmera na mão que mais confunde do que ambienta e, fundamentalmente, um departamento de efeitos especiais que, ao criar um xenomorfo digital, transformou uma das criaturas mais assustadoras da história do Cinema em um monstro comum e exibido. Não há mais medo dos cantos escuros: este é um alien que anuncia sua presença o tempo inteiro.

Com tons praticamente monocromáticos, nenhum elemento se destaca na tela. O trabalho de cenografia fica simplesmente perdido num quadro pasteurizado

Ridley Scott, que havia prometido fazer quem fosse ao cinema “borrar as calças de medo“, fracassa ao insistir numa história de origem que era desnecessária desde a concepção. Apesar de voltar a dar protagonismo para a criatura que consagrou a franquia e mudou sua carreira, o filme decepciona. E o mais decepcionante é que essa história não termina: mais uma vez, a ponta solta que conduzirá a Alien não é amarrada. Um pretexto para o próximo filme, já que todo o material de divulgação de Covenant se refere a este como “o segundo de uma trilogia prequela“.

Tenho curiosidade em saber quantos terão interesse até lá.

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