“Sua determinação dita seu destino” é uma sentença forte para a história que a procede. A saga da órfã Anne – com um “E”! – no seu inesperado novo lar com os Cuthbert na província canadense de Prince Edward Island pode parecer infantil. E é mesmo. Mas a adaptação do livro de L.M. Montgomery cria exatamente esta atmosfera lúdica para mostrar personagens presos a uma realidade opressiva que não pode ser mudada sozinha.
Talvez choque a premissa inicial da série, de que os irmãos Marilla (Geraldine James) e Matthew (R.H. Thomson) estão adotando um menino para ajudar na lida diária da fazenda onde vivem. Mas não se deve perder de vista que Anne está situada no final do século XIX, época em que conselhos tutelares não existiam nem em sonho. O que a série faz questão de mostrar desde o princípio é que estas pessoas podem ser austeras, mas também são decentes.
Falando especificamente de desenvolvimento de personagens, os três protagonistas são resolvidos de forma muito rápida. Com este bom ponto de partida, o evoluir de Marilla, Matthew e Anne fica natural, crível. Em cerca de dez minutos, a diretora Niki Caro nos diz exatamente o que esperar de cada um deles.
Quando fica claro que enviaram uma menina para os Cuthbert por engano, Anne se vê na necessidade de provar que pode fazer tudo o que um menino faria em seu lugar, sob risco de ser mandada de volta. Pode ser nos cafundós do Canadá do século XIX, mas a luta de Anne é a mesma que a maioria esmagadora das mulheres do mundo globalizado de 2017 precisa travar diariamente: mulheres são tão limitadas quanto a sociedade as tolher. E lutar pelo direito de ao menos tentar ser útil para os Cuthbert é lutar pela igualdade de direitos entre os gêneros.
Preste atenção aos detalhes da imagem acima: Caro registra um momento em que Matthew está sem reação, Marilla está processando mais informações do que poderia imaginar e Anne está entregue (não à toa, ela é a única de quem não vemos o rosto). O contra-plongée, novamente, ressalta o poder que os dois adultos têm sobre a criança. Matthew não está usando um figurino do seu cotidiano, mais um motivo para Marilla se sentir à vontade para tomar a decisão final. Mas, apesar do cenário adverso, as cores das roupas de Anne são as que estão em consonância com as da casa, um forte indício de que ela não será imediatamente mandada embora.
“Sua determinação dita seu destino” desfila com nuances técnicas que reforçam na narrativa a história de uma criança deslocada tentando pertencer a uma família. Quando o foco está nos Cuthbert, velhos e cansados, os planos são fechados. Mas, quando a série fala sobre Anne, os takes de paisagem fazem Green Gables parecer imensa. Levando em consideração que a menina nunca teve uma perspectiva de futuro como aquela, Green Gables é de fato um mundo imenso.
Anne tem um tom fantástico, mas aborda temas pesados. Além das atuações trabalhadas principalmente nos silêncios de James e Thomson, é humanamente impossível não se afeiçoar à Anne de Amybeth McNulty, uma criança que usa de livros e imaginação como escapismos para uma vida amarga e um passado traumático.
O principal problema da série é a unidimensionalidade dos demais personagens. Mas essa crítica é parcial, sendo necessário assistir ao restante da temporada para o parecer definitivo. O que se pode dizer ao fim de “Sua determinação dita seu destino” é que Anne vale uma maratona. Para assistir aos sete episódios, clique aqui.
A crítica da primeira temporada já está disponível neste link.