Adaptações de jogos de videogame sempre foram problemáticas. Mesmo as bem-sucedidas de Mortal Kombat e Resident Evil, se vistas hoje, terão imensos e bizarros defeitos narrativos expostos ao espectador. Apesar de não ter conquistado o público, Silent Hill é, talvez, o único longa baseado em jogos que até hoje possui algum respeito de crítica e público, apresentando ideias razoáveis em um filme mediano. Assassin’s Creed, obra que adapta a saga de jogos da Ubisoft sobre a milenar guerra entre Templários e Assassinos, prometia ser um novo começo para estas adaptações. Em um tempo em que Hollywood se perde em incontáveis e intermináveis remakes e continuações, algo novo era bem-vindo.
Por meio de uma bilionária tecnologia que permite acessar memórias através de sua herança genética, Cal Lynch é convocado para participar do projeto Animus para, por esta tecnologia, ajudar a empresa Abstergo a encontrar símbolos perdidos na Inquisição Espanhola que podem ajudar a erradicar a violência no mundo. Mas quanto mais imerge no mundo dos assassinos, mais Cal se aproxima destes, passando a questionar sua missão. O primeiro ato do filme foca em contar sua história e mostrar sua ligação com o clã de assassinos. Já aqui há um grande problema: as cenas, apesar de usarem uma câmera que se move lentamente e ora até faz uso do slow-motion, são curtas demais, resultando em uma introdução corrida e pouco impactante.
Conforme a obra se desenvolve em seu segundo ato, conhecemos melhor o projeto em que Cal está inserido. Não há, porém, qualquer cena que desenvolva devidamente o protagonista. Não conhecemos sua personalidade e sabemos pouquíssimo de seu passado. Assim como a coadjuvante Sophia Rikkin, de Marion Cotillard. A dupla, que deveria guiar a trama, o faz pelo alto nível dos atores escalados, mas sem o apoio de um roteiro que proporcione profundidade.
Há um interessante mas exagerado uso de diferentes cores para destacar os diferentes momentos do longa. Quando no presente, tanto no figurino quanto nos cenários e na iluminação, prevalece a cor azul, com iluminações esbranquiçadas que tornam a base onde os personagens se encontram bem moderna e futurista. Quando na inquisição espanhola, porém, a obra abraça uma paleta dourada, que ora funciona ao construir uma estética mais agressiva e visceral condizente com as cenas de ação dos assassinos, ora está presente também nas cenas externas, indicando as alucinações do personagem (que passa a ter devaneios com os assassinos na vida atual).
Os dois gatilhos que deveriam dar grandiosidade às cenas de ação de Assassin’s Creed são frágeis. A trilha sonora cria poucos temas, todos esquecíveis. Mas o grande problema está em seu uso. Jed Kurzel não aparenta ter noção nenhuma de construção de sentimentos em uma obra de áudio-visual, criando uma trilha que acompanha cada segundo dos 116 minutos de projeção. O excesso de música, em certo momento, torna o filme extremamente cansativo, mesmo que este tenha uma boa montagem. Ironicamente, o único momento que não é acompanhado por música extra-diegética possui música diegética (som oriundo da própria cena, no caso, um rádio toca músicas em um refeitório).
A direção, por sua vez, não é capaz de tornar as cenas de parkour ou os combates atraentes, abusando de cortes e câmeras secundárias que narrativamente nada acrescentam, apenas servem para dar um segundo ponto de vista a um mesmo segmento de ação. Os planos aéreos que cobrem as belas ambientações da Espanha medieval são arrojados e ostentam o bom trabalho de direção de arte da obra, mas em nada acrescentam na narrativa. Há uma boa noção do uso de espaço, a mise-en-scene de Assassin’s Creed é bem estabelecida e, em todos os combates e sequências de ação, é fácil entender o que está acontecendo na tela, mas as coreografias dignas de um filme dos Power Rangers não empolgam.
Como todo filme de ação, Assassin’s Creed não depende de seu roteiro para conquistar o público. Tendo sido escrito por Michael Lesslie e posteriormente reescrito por Adam Cooper e Bill Collage, o script da obra serve apenas como condutor da narrativa criada. Inicialmente, há uma sugestão de que a empresa responsável pelo projeto tem como objetivo erradicar a violência da humanidade. Há um claro espaço para um rico debate sobre as raízes da violência do ser humano, e mesmo que esse seja um blockbuster de ação, a inserção do tema só enriqueceria a história. Infelizmente, não foi utilizado.
Mesmo tendo sido escrito por três mãos, o filme abusa de diálogos expositivos para fazer a história caminhar. Inúmeras situações são dissecadas de forma desnecessária por diálogos entre os personagens, quando a sugestão destas por imagens tornariam o filme muito mais rico narrativamente. Há, inclusive, elementos totalmente avulsos que parecem só ter surgido para justificar a vilania de alguns personagens (como a pressão feita pelos templários para que o personagem de Jeremy Irons finalize seu projeto o quanto antes).
Mas o grande problema do roteiro de Assassin’s Creed é sua obviedade. Todas as revelações do filme são extremamente previsíveis, e pior: os últimos a terem ciência do que ocorre são sempre os personagens envolvidos, não só tornando-os extremamente estúpidos como escancarando a incapacidade do trio de roteiristas de surpreender seu público. Já com meia hora de filme, o espectador percebe com facilidade que há personagens com intenções ocultas por trás de suas afiliações, enquanto os envolvidos na trama só tomam conhecimento de tal fato perto da conclusão da trama.
Em suma, Assassin’s Creed leva a consagrada franquia de jogos às telas de cinema com alguma dignidade. Apesar de pecar muito em sua parte técnica e ter um roteiro pobre e previsível, o filme tem momentos de ação agradáveis e boas ideias estéticas em sua direção de arte, que são muito competentes na imersão do espectador no brutal contexto da batalha entre assassinos e templários durante a inquisição espanhola. Que pelo menos o longa abra as portas de Hollywood para futuras adaptações, pois como blockbuster, este pouco acrescenta no atual cenário hollywoodiano.