No primeiro episódio desta terceira temporada de Better Call Saul (série que analisamos a segunda temporada aqui), acompanhamos a continuidade das tramas de Jimmy e Mike. Como já é de praxe, o episódio abre com um flashforward de um momento em um futuro ainda desconhecido em que Saul trabalha em uma lanchonete em Oklahoma. Além da fotografia em preto & branco ser eficiente para destacar tal cena da narrativa principal, é funcional também para impor um clima melancólico na situação em que o protagonista está inserido.
Potencializando tal melancolia, a atuação hesitante de Bob Odenkirk leva essa tristeza para o semblante de seu personagem, principalmente quando franze a testa e por suas sobrancelhas exprime a inquietação e incômodo resultantes da situação em que se encontra. Para quebrar o clima tenso imposto, a série é inteligente ao inserir uma canção totalmente deslocada, que traz a leve veia cômica característica do seriado.
Há ainda um adequado uso de planos gerais não para ambientar, mas para mostrar a fragilidade do personagem. A manutenção da fotografia descolorida dificulta localizarmos o personagem no quadro. Além disso, o personagem encontra-se longe do principal ponto de referência do plano, que é o canto superior direito, o que não só intensifica a dificuldade de encontrarmos Saul/Jimmy, como constrói a ideia de que o personagem não está no controle de sua vida, está apenas reagindo e abraçando o que lhe é oferecido depois de seu trágico passado.
Pulando para a trama de Mike, que foi descoberto no deserto. É notável a perspicácia da direção ao impor um clima de insegurança e perigo para o personagem. Quando toma ciência de sua exposição, Mike foge para sua casa. No caminho, acompanhamos seu carro correndo pelo deserto em planos de eixo trêmulo e que muitas vezes retratam o personagem por trás, tanto quando está a pé quanto quando está dirigindo, criando a sensação de perseguição. Para coroar a bela cena, note no frame abaixo, como quando filmado de dentro do carro, Mike está na mira de sua própria arma, solta na parte traseira do veículo, imponto a já mencionada sensação de vulnerabilidade do homem em fuga. Ainda no fim deste bonito plano, quando o veículo faz uma curva, a arma desloca-se para o centro do corpo do motorista, intensificando o sentimento de exposição que permeia o momento.
O episódio ainda encontra tempo para desenvolver Kim Wexler, a “parceira” de Saul. Tendo assumido o controle do caso Mesa Verde, o maior de sua carreira até aqui, temos, no momento em que Kim encontra uma representante da empresa, um lindo uso do movimento de câmera pra não só expor o crescimento da personagem como advogada mas para mostrar sua serenidade e controle sobre a situação. Na primeira parte da colagem abaixo, vemos o início do plano em que Wexler visita Mesa Verde. Perceba como a personagem começa demonstrando insegurança por sua postura corporal e com pouco espaço graças ao lindo enquadramento. Mas, ainda no mesmo plano (segunda parte da colagem), após um lindo e arrojado movimento de câmera (que gira em torno do cenário), vemos a personagem já diante de um cenário muito maior, pois conquistou seu espaço e sua tranquilidade.
Na conclusão da cena, vemos um plano que é praticamente o oposto do frame que abre tal passagem do episódio. Na imagem abaixo, vemos o uso de dois fatores para construir o crescimento e solidz de Kim. O primeiro é a expressão de alívio no rosto da atriz; o segundo é o tipo de plano utilizado para retratar a personagem. O uso do contra-plongée (de baixo para cima) demonstra imponência e grandiosidade, que são materializados pela sensação de grandiosidade impressa pelo enquadramento. Tudo isso, aliado ao figurino que equilibra a solidez do preto com a tranquilidade do azul, ajudam a, por imagens, estabelecer o enorme crescimento da personagem, que muito sofreu nas temporadas anteriores, tendo inclusive sido rebaixada à trabalhar com estagiários no porão de sua antiga empresa.
Já na relação de Jim e seu irmão, Chuck, o episódio larga um pouco a sutileza das temporadas passadas e aborda de maneira mais agressiva as diferentes visões dos irmãos. Do lado de Chuck, por exemplo, vemos de maneira agressiva como o ex-advogado quer destruir a reputação de seu irmão por pura inveja e insegurança, receoso de ver seu caçula se tornar mais bem sucedido que ele. Já quando vemos o ponto de vista de Jimmy, é interessante ver a felicidade do protagonista pelo simples fato de ter conseguido, por dez minutos, ter uma interação carinhosa com seu irmão mais velho. A discrepância entre as visões dos dois personagens cria uma dualidade que tende a construir interessantes conflitos no futuro da série.
Em seu primeiro episódio desse terceiro ano, Better Call Saul volta a impressionar pelo domínio técnico de seus realizadores, dando continuidade ao excelente uso da linguagem cinematográfica já vista desde Breaking Bad. Com um jogo de câmeras e enquadramentos ideais aliados à um roteiro que evita exposição e desenvolve seus personagens e tramas com diálogos inteligentes e naturais. Sem nunca parecer estar enrolando seu espectador, a série original da Netflix é um belíssimo exemplo da enorme evolução que a televisão passa na atual década.