O que torna assistir a Como Nossos Pais uma experiência inesquecível é o equilíbrio perfeito entre forma e conteúdo, meio e mensagem, técnica e alma. Laís Bodanzky (Bicho de Sete Cabeças, Chega de Saudade e As Melhores Coisas do Mundo) faz uma releitura original e sensível da canção escrita por Belchior e eternizada por Elis Regina. Canção esta que marca gerações exatamente pela mensagem simples embalada numa estrutura refinada. A vida é cíclica e toda mudança evolui até virar exatamente o que era antes de mudar. O trajeto vale mais do que a chegada.
O filme não começa de forma tradicional. Seu primeiro frame é no almoço em família na casa de Clarice (uma atuação ao mesmo tempo sutil e firme de Clarisse Abujamra), em meio a uma algazarra sonora que não precisamos entender para identificar o contexto no qual se insere. Quando a mixagem de som começa a dar ênfase nos diálogos, ressignifica o caos sonoro inicial. De uma família reunida para dividir uma refeição e celebrar a volta de Dado (Paulo Vilhena, que aqui nem de perto lembra o ator questionável de novelas passadas) após uma viagem profissional, passamos a ver aquele almoço como um teste de nervos, com Rosa (Maria Ribeiro, a quem acompanho atentamente desde Tropa de Elite) claramente à beira de um colapso mental pela pressão colocada sobre ela para segurar as rédeas da própria família e pela péssima relação que tem com a mãe.
Escrevi na crítica de Os Defensores que o uso de enquadramentos indiretos funcionava para colocar o espectador na condição de voyeur dentro das cenas, como que acompanhando a ação in loco, escondido dos personagens. Isso se repete em Como Nossos Pais já na cena de abertura descrita acima, mas supera a produção da Netflix ao compor uma identidade visual coerente ao estado de espírito de Rosa.
Basicamente construído em cima de diálogos, a edição estrutural é cirúrgica ao juntar as suítes do filme com cortes secos entre uma e outra: Rosa se deita. Corta para o despertador tocando. Corta para as filhas gritando de manhã. Corta para o trânsito. Não há trilha sonora ou equalização de volume para amenizar as transições. A única constante é o desespero latente da protagonista pela vida que lhe escapa enquanto o tempo passa e ela precisa abrir mão de seus sonhos.
O estopim para esta crise é a revelação feita por Clarice de que Homero (Jorge Mautner) não é o pai biológico de Rosa, mas sim Roberto (Herson Capri em participação especial). A verdade desestabiliza Rosa, que começa a perceber que seu relacionamento com Dado não é tão diferente do de Clarice com Homero. Esses paralelismos são apresentados de forma orgânica, mas inequívocas, como quando os dois homens da vida de Rosa a decepcionam consecutivamente.
A jornada de Rosa (o nome não é por acaso, significa “bela flor” e é um símbolo da feminilidade) pode ser interpretada por diversas perspectivas, mas todas levam pelo mesmo caminho: emancipação. E a forma como o roteiro de Bodanzky e Luiz Bolognesi constrói os diálogos que desenvolvem Como Nossos Pais é tão crua que causa riso em determinados momentos, não por qualquer traço de comédia inerente ao texto, mas pela completa falta de adornos. É como olhar por uma janela a dinâmica de uma família que poderia ser a nossa. Ainda há espaço para sutilezas como um foreshadowing com a fumaça dos cigarros de Clarice, que fecham tanto o primeiro ato quanto o penúltimo, reforçando a ideia presente tanto na música quanto no filme que toma emprestado seu nome. Não há dúvidas, para nós ou para Rosa, de que tomar as rédeas da própria vida é a única forma de nos salvarmos dela.
Não fiquem surpresos se Como Nossos Pais conseguir a indicação para concorrer a uma vaga no Oscar.