A manipulação do casal presidencial Frank e Claire Underwood se tornou, principalmente nas últimas temporadas, um dos elementos mais instigantes da série. E a manipulação, claro, vai muito além dos jogos políticos que eles fazem com seus aliados, subordinados e adversários, está presente também na linguagem da série. Como não se sentir manipulado quando, após Frank passar a perna em algum membro do congresso, vê-lo encarando a tela e quebrando a quarta parede com seu olhar cínico e único? Essa quinta temporada de House Of Cards começa justamente com tal manipulação. Aliás, com várias delas.
Na imagem acima, por exemplo, veja a progressão do primeiro plano do episódio. Começamos vendo o discurso de Claire, que nos olha diretamente nos olhos, até que por meio de um dolly out a câmera se afasta e nos mostra que, na verdade, nossa interação era apenas com uma tela. A mudança na cor, inclusive, entrega a frieza do discurso decorado da primeira dama. Essa construção diz muito sobre a ilusão de transparência que a personagem passa. Como dito no primeiro parágrafo, assim como ela e Frank iludem seus eleitores, o fazem como espectador que assiste House Of Cards.
Frank também demonstra seu poder. Na cena em que “invade” uma audiência no parlamento, vemos como Frank é capaz de manipular seus aliados com um par de palavras no ouvido, até que estes usam seus cargos para abrir espaço para o próprio presidente fazer seu discurso manipulador a fim de forçar uma votação acerca da possibilidade do país declarar guerra ao ICO (o equivalente ao DAESH da vida real).
E é curioso constatar que, como espectadores, temos acesso aos bastidores dos atos dos Underwood, e mesmo assim continuamos sendo manipulados. Quando Frank e Claire comparecem a um funeral, por exemplo, vemos como Claire se emociona com a situação e se prepara para pegar seus óculos escuros para ocultar suas lágrimas. Após olhar para o lado e ver que seu adversário nas eleições, Conway, não demonstra emoção, Frank, então, faz algo brilhante para sua imagem pública: impede que sua esposa esconda sua dor. Para o público, é necessário que os Underwood sejam humanizados.
Já na rivalidade entre os Underwood e os Conway, a direção começa a nos dar indícios de que Claire assumirá o protagonismo de tal conflito. Em duas cenas distintas, observamos os Conway discutindo até que a esposa se isola na parte de trás do plano enquanto Conway senta-se no sofá, na parte de cima. O casal é separado por uma porta de vidro. A mesma relação ocorre entre Claire e Frank, mas, com uma diferença: é Claire quem deixa Frank no fundo e vem para a parte frontal do enquadramento. Perceba, inclusive, como a primeira dama fica na frente de seu marido, tampando-o, sugerindo como esta está ascendendo ao poder e tomando o espaço de Francis. Será que enquanto os Underwood trapaceiam os outros personagens e o público, Claire planeja trapacear seu marido?
Notamos ainda como Frank é cego por sua ganância e não percebe que, enquanto Claire se destaca, ele se ilude e fala para uma plateia vazia. O personagem canta e fuma enquanto discursa encarando as cadeiras.
E se a temporada anterior sugeria um ambiente de enorme pressão sobre os Underwood e sua equipe, este capítulo mostra que os “donos” da América tiram de letra o desafio de contornar a crise política. Manipulam e trancafiam seu povo através da guerra e do medo que ela gera. Se a temporada anterior terminou com uma promessa de guerra, essa começa com o povo americano JÁ enjaulado e implorando pela mão do presidente, como vemos na cena final.
O primeiro episódio desta quinta temporada vai além das expectativas e proporciona uma aula audiovisual de movimentos de câmera, enquadramentos e rimas visuais. No melhor estilo House Of Cards, Frank e Claire Underwood estão de volta. E não parecem poder confiar nem em si mesmos.