Escrito pela dupla Thomas Stavros e Gustavo Lipsztein, Polícia Federal – A Lei é Para Todos refaz os passos da Operação Lava Jato, desde as origens até a atualidade. Mostrando uma equipe da Polícia Federal agindo para prender o doleiro Alberto Youssef, a obra estipula já no começo os dois lados da “guerra”: os agentes honestos, puros e apaixonados por suas famílias e pelo Brasil, contra os terríveis corruptos ligados ao infame Partido dos Trabalhadores. Como a descrição deve deixar explícito, o maniqueísmo é a tônica do filme. E, se lá pro meio da projeção o espectador ainda não tiver percebido, cenas com o “vilão” Lula dizendo “agora é guerra” deixam a ideologia bem óbvia.
E se o desgosto se limitasse aos ideais expostos (mesmo com a falha tentativa de manter um véu de neutralidade, o viés anti-petista e direitista é nítido), até que poderíamos relevar , se a obra, pelo menos, admitisse isso e caprichasse na construção narrativa. O que acontece, porém, é um desserviço ao cinema como arte. Um dos ideais máximos da construção narrativa é não falar o que você pode mostrar, algo que o diretor Marcelo Antunez parece desconhecer completamente. Toda a trama é desenvolvida por meio de diálogos entre os membros da equipe que comanda a Operação Lava Jato. Mas, se você não entender por meio das conversas, não tem problema; a narração do protagonista, Ivan, vai estar lá para martelar tudo que está acontecendo. Ainda não entendeu? Não tem problema. O filme literalmente desenha suas ideias, tanto em um quadro quanto por animações.
Com uma linguagem tão pedestre, é claro que, além de ser uma obra de arte extremamente pobre tecnicamente, Polícia Federal – A Lei é Para Todos revela-se não um filme de investigação, mas uma aula, didática, dura, monótona e ideológica, que busca a todo momento desconstruir os “mitos” ao redor dos inimigos da operação – ao mesmo tempo em que, sutilmente, cria seus próprios mitos, como Sergio Moro, que surge com uma homologação ou áudio vazado sempre que a trama empaca. Só faltou mesmo algum dos personagens virar para a tela antes de falar “eu também era militante deles, mas vi que estava tudo errado e hoje quero prendê-los” – diálogo que realmente existe no filme.
A essa altura do texto, já devo ter deixado claro que o filme sequer tenta ser apartidário, certo? Pois é, mas o longa não sabe – ou não aceita – isso. O que vemos, a todo momento, são personagens desesperados para gritar ao público que seu objetivo é apenas buscar justiça, algo que não é necessariamente mentira, mas que soa no mínimo estranho diante de tanta vontade de auto-afirmar-se. Como é fácil imaginar, o resultado é um humor involuntário, mas que faz o filme funcionar por uma seara dramática inconsciente dentro da proposta.
Claro que nem tudo é ruim. Quando tenta ser apenas um thriller policial de perseguição, PF – A Lei é Para Todos até que traz algum valor. O uso do zoom nos rostos dos agentes que conduzem as operações não só torna as cenas mais intensas, como funciona para mostrar a imersão e engajamento dos personagens (e dos esforçados atores) em seus deveres. O problema é que até isso é sabotado por uma montagem equivocada e apressada, que, apoiada pelo frágil roteiro, é incapaz de deixar qualquer cena respirar. Assim que algo ruim acontece, prontamente surge o Sergio ‘Batman’ Moro para resolver a situação. E assim continua a trama, de forma cíclica e episódica, repetindo os mesmos gatilhos até o fim da projeção.
Falando em Sergio Moro, é curioso como o filme, além de esforçar-se para utilizá-lo quase como uma força da natureza, que sempre resolve os conflitos burocráticos da Operação Lava Jato, se esforça também para pintá-lo como um herói sem capa. As cenas que trazem Moro sério, passando em frente às manifestações em sua homenagem, tentam criar uma figura alheia às influências externas, que nunca é afetado pelo clamor popular – o que é até válido considerando a veia partidária da obra, mas soa estranho, já que o personagem é pouco desenvolvido, surgindo apenas como uma espécie de Mr Wolf da PF. Para tornar a obra ainda menos sutil, há as bizarras, deslocadas e desnecessárias cenas do juiz interagindo com sua esposa e filho, a fim de humanizar a figura do “juiz implacável”. Se pelo menos Moro fosse mais integrado ao resto do elenco, tais cenas poderiam ser algo além de panfleto barato, mas a impressão que se passa é que só existem para justificar a idolatria ao juiz.
Claro que, se há um herói, alguém tem que ser o vilão. Estabelecendo-os , a obra encontra duas formas: a caricatura da realidade e as sugestões. As caricaturas estão presentes na representação da figura de Lula, que parece apenas um senhor fora de si e agressivo (bem como todos que o apoiam), fortalecendo a visão maniqueísta e manipulativa do filme-propaganda, já as sugestões estão em trechos sorrateiros, como quando um personagem pergunta quem é o responsável pelos esquemas, e a montagem corta diretamente para imagens dos santinhos de eleição de Dilma (tentando fingir alguma imparcialidade, há alguns santinhos de Aécio Neves, também, mas o foco é, obviamente, na figura de Roussef).
Não tendo sequer uma trama bem estruturada em introdução, desenvolvimento e clímax, Polícia Federal – A Lei é Para Todos tem poucos elementos cinematográficos elogiáveis. Com exceção dos momentos em que tenta ser um filme policial, a obra se releva um panfleto político audiovisual manipulativo, conspiratório e covarde. Ao escolher retratar um evento histórico que mal esfriou (já que ainda está em curso), o longa surge de forma apressada e claramente com uma intenção didática e escolar que em nada enriquece o debate político, já que o partidarismo é claríssimo.
O nível de manipulação é tanto que nos faz questionar se alguns problemas são descuido da produção ou ferramenta de alienação. A montagem, por exemplo, que nesse texto é apontada como apressada e sufocante, seria assim deliberadamente? Afinal, ao jogar tantos acontecimentos e afirmações polêmicas para seu público, a última coisa que Polícia Federal quer é que o espectador questione a avalanche de informações existente a fim de ponderar a validade do conteúdo apresentado. Claro que, assim como o governo pós-revolução de 17 quis usar o cinema como propaganda e ferramenta manipulatória junto ao proletariado, aproveitando os estudos formais e de montagem de Sergei Eisenstein, é compreensível que a sétima arte continuamente se veja transformada em ferramenta de manifestação ideológica. Aconteceu diversas vezes, algumas vezes de forma deliberada, como durante a segunda guerra, por parte de nazistas e aliados. A visão política faz parte da arte. A questão é: custa admitir?