Punhos de Sangue

Punhos de Sangue

Matheus Fiore - 25 de maio de 2017

Hollywood adora histórias de perdedores que desafiam as expectativas e vencem na vida. O sucesso da franquia “Rocky” está aí para nos lembrar. Mas Hollywood, às vezes, também gosta de mostrar histórias de fracassados. No caso, a indústria foi na fonte certa, a história de Chuck Wepner. Aos desavisados, Chuck foi um boxeador dos anos 70 cuja história inspirou o roteiro de Rocky. No auge de sua carreira, Wepner enfrentou o lendário Cassius Clay e, após uma grande luta, acabou derrotado. O lutador, então, utilizou sua derrota como muleta até destruir completamente suas relações familiares e a própria carreira, num processo depressivo de autodestruição.

Apesar de ter inspirado Rocky, a obra escolhe caminhos totalmente opostos. A luta, por exemplo, tem seu espaço gradualmente reduzido ao longo da trama. O paralelo aqui traçado é com outro longa, Réquiem Para um Lutador, filme de Ralph Nelson lançado em 1962. Assim como Rivera, o protagonista de “Réquiem”, Chuck fica marcado mais por seu fracasso do que por sua conquista. A diferença, porém, está na forma como o diretor de Punhos de Sangue, Philippe Falardeau, esculpe a fragilidade do boxeador.

Chuck sempre é tratado como azarão, não tendo respeito de seus oponentes nem da mídia, recebendo carinho apenas de seu empresário e amigo Al (Ron Perlman) e de sua esposa, Phylis (Elisabeth Moss). A escolha do elenco tem na escalação de Liev Schreiber seu maior acerto. O ator, mesmo sendo alto e forte, possui feição extremamente sensível, e é capaz de expressar fragilidade apenas com seu sorriso tímido. Utilizando tais características, Punhos de Sangue consegue, desde as primeiras cenas, estabelecer a vulnerabilidade de seu protagonista. Repare, por exemplo, como após uma de suas lutas, o boxeador encontra resistência para levantar da cama que, enquanto ele se movimenta, estala repetidas vezes, como se fossem os ossos do personagem estalando.

Ajudando a esculpir o protagonista, a fotografia e a montagem trabalham juntas para criar um belo contraste visual. Os planos com cortes secos que ligam as noitadas do personagem com as consequências de seus atos no dia seguinte impactam principalmente pelo salto da saturada iluminação artificial avermelhada das festas até as luzes naturais que revelam as feridas e marcas no cansado rosto de Chuck. Pequenos detalhes da maquiagem e do penteado também funcionam, como o uso das franjas caídas sobre os olhos do boxeador, potencializando a figura descuidada e descompromissada do “herói”.

Ao mesmo tempo que o personagem é estabelecido como alguém frágil mentalmente, porém, o filme puxa em outra direção ao utilizar uma narração em off do próprio protagonista que em diversos momentos traz um exagerado humor, que termina por reduzir drasticamente o impacto dos dramas do personagem. Prejudica também o fato de Falardeau escolher diversos elementos para expor a fragilidade do protagonista, mas não focar em nenhum, deixando todos cuspidos ao longo da metragem do filme. O apelido “sangrador”, por exemplo, poderia ser desenvolvido como uma alegoria física à fragilidade psicológica do personagem, mas é totalmente ignorado a não ser por passageiras piadas que em nada acrescentam.

O roteiro ainda tenta seguir o caminho de Réquiem Para um Lutador, que mostra como a humilhação se tornou o único caminho de Mountain Rivera, mas Falardeau não possui a mínima sutileza para usar o poder da sugestão. Se a cena do “índio” em “Réquiem” é o último golpe no que restava da dignidade do personagem, o embate entre Chuck e um urso em Punhos de Sangue acaba sendo apenas um alívio cômico, servindo como válvula de escape e para reconectar o personagem à uma figura de seu passado.

Punhos de Sangue não é um mau filme e até traz um punhado de boas ideias, mas a excessiva preocupação em suavizar os momentos mais dramáticos faz a obra fracassar justamente em sua proposta: ser um drama capaz de mostrar como o medo e a insegurança podem levar um indivíduo à ruína. Em seu terceiro ato, a narrativa enfatiza mais a reabilitação de Chuck, sem antes ter se preocupado em explorar sua derrocada. Seu fracasso como pai, por exemplo, é sempre sutilmente arranhado, mas nunca desenvolvido, não havendo sequer um diálogo do protagonista com sua filha. Quando não sentimos o peso de seus fracassos, é impossível estabelecer a recompensa de sua volta por cima. O resultado é um longa com algum valor dramático, mas que a todo momento sabota as próprias ideias e acaba perdendo o foco no meio do caminho.

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