Guia de publicações da série especial sobre a obra de J.R.R. Tolkien:
Quando escreveu sobre Beren e Lúthien, Tolkien deixou implícita a importância da união e do desapego para vencer o Mal. Ao tratar da história de Húrin e sua família, mostra o outro lado. Isolacionismo e orgulho são mais fortes do que qualquer tentativa de ajuda. O Diabo está nos detalhes.
As ilustrações desta publicação são do britânico Alan Lee.
Esta obra póstuma, editada por seu onipresente filho Christopher, talvez seja a melhor amostra do que é Tolkien. No ritmo da narrativa e na abnegação de seu protagonista, a miríade de personagens apresentados e a trama intrincada de Os Filhos de Húrin mostram um Tolkien explorando uma das capacidades pela qual seu universo ficcional é notável: detalhar com riqueza uma pequena faixa da linha temporal, criando uma história ao mesmo tempo fechada em si e esclarecedora para o contexto geral de seu legendarium.
É também o livro mais próximo no formato de uma tragédia grega, evocando em diversos pontos Édipo Rei, de Sófocles.
Mas Túrin era menos amado do que ela (Urwen, sua irmã). Tinha cabelos escuros, como a mãe, e prometia ser também como ela em disposição, pois não era alegre e pouco falava, embora tivesse aprendido cedo a falar e sempre tivesse parecido mais velho do que na verdade era. Túrin demorava a esquecer a injustiça ou a zombaria, mas o fogo do seu pai também ardia nele e tornava-o capaz de ser brusco e violento.
Os Filhos de Húrin. A infância de Túrin, p. 41
Os vínculos de sangue determinam sua personalidade, amaldiçoado pela coragem do pai e punido pelo orgulho da mãe. Túrin passou sua vida fugindo de um destino planejado pelo próprio Morgoth, uma grande celeuma sem propósito, pois ele nunca conseguiu viver de forma independente, mesmo durante os breves momentos em que pensou estar livre.
É também em Os Filhos de Húrin que outro aspecto muito valorizado por Tolkien é extremamente explorado: a relevância dos nomes. A cada virada na vida de Túrin, este tenta recomeçar sob uma nova designação, seja ela auto-imposta ou dada por terceiros. Neithan, O Injustiçado (p. 109); Gorthol, O Elmo do Terror (p. 158); Agarwaen, filho de Úmarth (Sujo de Sangue, filho do Desafortunado – p. 172-173); Mormegil, o Espada Negra (p. 173); Adanedhel, o homem-elfo (p. 177); e por fim Turambar, senhor do destino (p. 211). Esta última sendo quase um grito desesperado de um homem que nunca foi senhor do próprio destino.
— Tenho-te amor pelo salvamento e pela custódia. Mas agora mal me fizeste, amigo, revelando meu nome verdadeiro e chamando sobre mim o meu destino, de que pretendia esconder-me.
Mas Gwindor respondeu: — O destino está em ti mesmo, não no teu nome.
OS Filhos de Húrin. Túrin em Nargothrond, p. 184
Túrin foi o responsável direto pela primeira de três destruições de um grande reino élfico. Ao virar as costas para os deuses e tentar enfrentar o Mal movido pelos sentimentos de empáfia, dor e raiva, selou seu destino e cobriu de desgraça todos aqueles com quem cruzou em vida. Seu pai Húrin foi obrigado a ver tudo, mas a vingança de Morgoth contra ele só chegou ao fim quando o homem que ousou desafiá-lo de igual para igual perdeu tudo, até o desejo de vingança, tornando-se uma folha seca que o vento leva no outono.
Mais tolkieniano, impossível.
Na próxima publicação, o especial J.R.R. Tolkien analisará o último grande reino élfico da Primeira Era do Mundo. Da destruição surge espaço para o novo, nada melhor para ilustrar esta ideia do que A Queda de Gondolin.