13 Reasons Why – 2ª temporada

13 Reasons Why – 2ª temporada

Gustavo Pereira - 23 de maio de 2018

Crítica da segunda temporada de “13 Reasons Why”. Para ler nossas impressões sobre o primeiro episódio, clique aqui.

13 reasons why temporada 2 netflix

O advogado da direita não tem UMA fala durante a temporada inteira

Arte precisa de propósito. Ela não tem a obrigatoriedade de cumprir qualquer função social, mas precisa se justificar em si. Todo realizador precisa saber o que quer dizer com sua obra. Se não há nada a dizer, o espectador não consegue ser enganado: o discurso vazio e embromador é notado sem dificuldade. A segunda temporada de “13 Reasons Why” é uma grande errata, que só existe para retificar posicionamentos ambíguos que a série deixou no ar em 2017. E porque a primeira temporada fez sucesso.

A história de Hannah Baker (Katherine Langford) é revisitada, agora no julgamento movido por sua mãe Olivia (Kate Walsh) contra a escola Liberty. Durante 13 longos episódios, os mesmos eventos da temporada anterior são revividos, dessa vez pela ótica de cada um dos “alvos” das fitas de Hannah. É a chance para que contem “as suas verdades”. Se na primeira temporada “13 Reasons Why” contorna o fato de seu clímax ser conhecido desde o primeiro episódio, a segunda desconstrói cada acontecimento narrado pela jovem suicida. Pode ser resumida a um grande “não foi bem assim”, com intenção de levantar dúvidas e manter o público preso até o fim, mas repete a mesma fórmula em cada episódio e demora muito pouco para se tornar cansativa.

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Dois pontos altos de “13 Reasons Why” em uma foto só

Não é papel do crítico analisar o que acontece fora da tela, mas é fácil entender que a segunda temporada de “13 Reasons Why” é uma resposta às duras críticas que a série recebeu de especialistas da área de saúde e educação. A possibilidade de estimular suicídios virou uma realidade e, após ver a dimensão do problema, a Netflix fez com sua produção algo que os leitores de quadrinhos já estão habituados a ver de tempos em tempos: um retcon.

Porque, para quem lembra dos primeiros 13 episódios, as novidades trazidas nessa segunda leva vão além de expandir a compreensão dos fatos. As narrativas de certos personagens simplesmente não cabem naquela contida nas fitas de Hannah. E esse contraste não funciona para dar ao espectador a visão ampla do assunto, mas sim para questionar a própria Hannah. O roteiro guia tanto a audiência que, a cada episódio, o personagem sendo sabatinado pelos advogados do caso também é o narrador. E cada frase dita por ele ou ela – e todas têm a clara intenção de soarem profundas e inteligentes, mas são vazias como balão em fim de festa – é reforçada por ações de outros personagens, para que não fiquem dúvidas sobre o que se quer dizer.

Surpreende como tanto tempo – nenhum episódio tem menos de 55 minutos – é utilizado e os personagens, salvas honrosas exceções, têm a profundidade de uma colher de café. Alex (Miles Heizer) passa todos os episódios lamentando as sequelas ínfimas causadas pela sua tentativa malsucedida de suicídio. Quando não está desejando ter conseguido se matar, está reclamando com alguém. Justin (Brandon Flynn) sofre um revés dramático após fugir de casa, mas seu “problema” some e desaparece de acordo com a necessidade da história e suas consequências estão fora do esquadro da realidade, o que torna a sua representação temerária, pela falsa impressão que passa à audiência.

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Não julguem Chloe

Existe uma sensibilidade maior no arco das vítimas de Bryce (Justin Prentice), com ênfase em Jessica (Alisha Boe). Chloe (Anne Winters), atual namorada do estuprador, é a personagem com o melhor arco de toda a série. Mesmo com um papel secundário em meio às desventuras daqueles que viveram com Hannah Baker, as sutilezas de Winters na gradual desconstrução de Chloe, sua crescente insegurança e o desfecho que encontra não apenas geram empatia pela personagem, mas também demonstram virtudes da atriz.

É o elenco que garante alguma credibilidade a “13 Reasons Why”. Além da já mencionada Kate Walsh, Dylan Minnete capturou perfeitamente as contradições internas de Clay (o final do texto é dedicado especialmente a ele). Mas é Justin Prentice o grande nome dessa temporada. Não por seu personagem ser o mais importante ou alguma de suas falas ser memorável, mas porque seu Bryce é banal. Ele não é construído como um monstro, mas exatamente no caminho oposto: o bom menino, ídolo do time de beisebol, líder entre os amigos. É a ideia de que um jovem com um futuro tão promissor seja capaz de um ato tão bárbaro que torna seu personagem assustador. Ele poderia ser qualquer um.

O maior problema de “13 Reasons Why” fica mesmo na sua contradição narrativa ao mostrar, com diálogos tirados de livros-texto, que o suicídio não é uma solução, mas concluir sua temporada mostrando como precisamente um suicídio foi o caminho para todos aqueles que gravitavam no entorno da vítima se tornassem pessoas melhores. E se a segunda temporada já soou desonesta, prepare-se: há um gancho escancarado para que a série volte. Veja todos os episódios da série clicando aqui.

Leia mais sobre “13 Reasons Why” clicando aqui.

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A crítica acabou. Abaixo, observações COM SPOILERS sobre um personagem problemático

É hora de falar sobre Clay Jensen. Ele é o maior desserviço prestado por “13 Reasons Why”. Sua posição de protagonista faz com que o espectador se afeiçoe a ele. Ver grande parte da história pela sua perspectiva também faz com que ela pareça a correta. Mas não é. Clay Jensen é um dos piores tipos de homem que existem. O “garoto normal”, sem nenhum atrativo, que se sente injustiçado num mundo em que os canalhas se dão bem. O “biscoiteiro” que se sente merecedor de uma medalha porque nunca estuprou uma mulher, como se não estivesse fazendo mais do que a própria obrigação.

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Clay podia até gostar de Skye, mas gostava ainda mais da ideia de que estava “salvando” a vida dela. Por isso reagiu tão mal quando ela conseguiu se salvar sozinha

Homens como Clay não se apaixonam por uma mulher, mas por um ideal de mulher: pura, casta e perfeita, que nunca existiu fora de sua cabeça. Homens como Bryce são criminosos e merecem punição, mas homens como Clay fazem estelionato emocional. Gostam de mulheres frágeis, que “precisam” ser “salvas”, e não lidam bem com negativas. A cena que o define é aquela em que Skye (Sosie Bacon) abre seu coração para ele, falando da necessidade de recomeçar a vida em outro lugar, ao passo em que Clay só se preocupa com os próprios sentimentos.

Homens como Clay não são príncipes encantados. São só babacas.

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