É preciso ser muito inocente para acreditar que uma versão “censura livre” (PG-13 nos Estados Unidos) de “Deadpool 2” atrairá crianças. O apelo de “Era Uma Vez Um Deadpool” é com o exato público que foi aos cinemas no primeiro semestre desse ano, que tem curiosidade em ver o Mercenário Tagarela numa condição nova para ele, sem direito a sangue, palavrões e obscenidades. Em resumo: as pessoas que forem assistir a este novo corte do filme querem ver soluções criativas – e engraçadas – para tornar o explícito em implícito.
Essa crítica vai tratar exclusivamente disso. Se você quiser saber sobre direção, roteiro, fotografia etc. do filme original, leia a crítica de “Deadpool 2” clicando aqui.
A ideia por trás de “Era Uma Vez Um Deadpool”, em si, é boa. A escalação de Fred Savage para reprisar seu papel em “A Princesa Prometida” (um filme tão despretensiosamente bom que terá o seu próprio Canto Cult muito em breve, mas já fica como dica pra a sua lista do fim de ano) é perfeita. Vale também uma menção aos profissionais de cenografia, por recriarem o quarto original nos mínimos detalhes. Deadpool (Ryan Reynolds) faz as vezes do Avô, lendo a “versão Rei Jaime” de “Deadpool 2”. Entre as cenas, espaços para comentários sarcásticos e metalinguísticos sobre o filme e a indústria cinematográfica como um todo. Animador, certo? Nem tanto.
Primeiro, porque os comentários ácidos não são tão ácidos assim. No “Deadpool” de 2016, há a piada incrível sobre a falta de dinheiro para o projeto limitar os moradores da Escola Xavier a Colossus (Stefan Kapicic) e Negasonic Teenage Warhead (Brianna Hildebrand); aqui, Fred aponta para Vanessa ter se tornado “uma mulher na geladeira” (quando o interesse amoroso feminino do protagonista masculino morre apenas para que ele se sinta motivado a evoluir), mas disso não sai nada. Em parte, porque é a mais pura verdade. E também porque, aparentemente, o próprio filme não concorda com essa crítica. Fred vira apenas um cara chato fazendo um comentário impertinente em vez de deixar a história seguir. Isso não rende nenhuma recompensa cômica (como, por exemplo, quando o mesmo Fred fala sobre Cable e Deadpool percebe que não compreendia perfeitamente o personagem).
Segundo, porque a conversão de cenas censura +18 para PG-13 não é boa. Deadpool não é um personagem interessante apenas porque suas histórias têm sangue, palavrões e genitálias. Mas a maior parte das suas boas cenas precisa de sangue, palavrões e genitálias. Quando Juggernaut decepa Deadpool ao meio, sem sangue, a cena tem peso nulo. Algumas piadas são cortadas, outras apresentadas pela metade (as “punchlines” sujas demais ficaram de fora), comprometendo a compreensão de grandes passagens. E o ponto alto de “Deadpool 2”, o momento “Instinto Fatal” de Wade Wilson, não tem graça nenhuma com uma tarja por cima. Não porque a ideia em si não seja cômica, ela é. Mas porque o que a torna efetivamente engraçada é o descaramento de exibi-la.
À parte uma brincadeira de fazer chorar de rir com censura e duplo sentido envolvendo Matt Damon, “Era Uma Vez Um Deadpool” não explora em nada o potencial que, sim, o projeto tinha para ser engraçado e relevante. Quando Stan Lee, recentemente falecido, é homenageado na cena pós-créditos, é quase como se o filme falasse “mas você não vai bater em alguém de óculos, vai?”.
Bem, eu vou.