Em um tempo em que o homem mais poderoso do mundo sinaliza interesse em censurar a mídia, filmes como “The Post – A Guerra Secreta” são, ao mesmo tempo, oportunistas e necessários. O cinema, afinal, sempre manifestou as questões contemporâneas em suas obras. Não é diferente com o novo longa do renomado Steven Spielberg. “The Post”, porém, não faz uma conexão direta com a contemporaneidade, e sim utiliza uma das mais marcantes histórias de luta por liberdade de imprensa na história americana, a exposição dos “Pentagon Papers”, registros que deram luz às verdadeiras intenções do governo americano com a guerra do Vietnã, para falar sobre a resistência diante da censura.
No foco está Kay Graham (Meryl Streep), herdeira do Washington Post, jornal que está prestes a ser comprado e cujo editor-chefe, Ben Bradlee (Tom Hanks), começa a vislumbrar a possibilidade de expor as tramas políticas que desencadearam a invasão americana no Vietnã, algo que afastaria os investidores. O filme foca no dilema de Kay: seguir a veia jornalística de sua família e divulgar os bombásticos vazamentos, ou manter a empresa fora dos holofotes que iluminam os fatos sobre aquele conflito, a fim de efetuar de forma bem-sucedida a parceria milionária que manterá o Post funcionando.
“The Post” é uma obra extremamente irregular. Se o ato central encontra respiro ao dar um norte à trama, os quarenta minutos iniciais são problemáticos. A apressada montagem tenta dar dinamismo, mas não há conteúdo que desenvolva suficientemente os personagens ou a história para que haja um senso de construção de sentido. O resultado são cenas com excesso de estilização visual e muitos planos sequência em que se alternam distâncias – de planos abertos para close ups -, tentando-se criar uma urgência que, pela falta de clareza nas ideias, não há. Há apenas confusão visual e rítmica, e total ausência de sutileza – algo que espanta, vindo das mãos de um diretor que está na ativa há mais de cinquenta anos.
A constante câmera na mão de Spielberg tem o objetivo de imprimir um aspecto documental e cru à obra, mas em vários momentos isso não acrescenta nada às cenas, o que fica mais parecendo uma tentativa de mostrar que, por trás das lentes, há um grande diretor. Em alguns momentos, suas saídas funcionam: quando o diretor utiliza um plano 360 que contorna sua protagonista Kay para mostrar como a personagem, naquele momento, está tomando as rédeas de uma situação, o jogo de câmera acrescenta significados à narrativa.
No meio de um filme que não sabe se quer seguir um estilo documental de denúncia, como “Spotlight”, ou uma jornada de conquista de liderança, como é o recente “O Destino de Uma Nação”, “The Post – A Guerra Secreta” é uma mistura confusa dos dois. Por incrível que pareça, com algumas ressalvas, ambos funcionam. Um dos elementos que ajudam a narrativa a manter sua coesão é o fato de a obra nunca ser deslocada para o âmbito político, mantendo-se o foco sempre em uma das figuras do Post – Kay ou Ben.
No trato dos protagonistas, eles possuem funções bem diferentes na narrativa. A Kay de Meryl Streep é uma personagem em busca de afirmação, que precisa provar seu valor em um mundo machista, algo que Spielberg faz questão de martelar, ao trazer, mais de uma vez, planos em que a personagem entra em ambientes ocupados apenas por homens de terno. Streep não tem tanta oportunidade de aprofundar sua protagonista, mas desempenha bem a função da mulher em conflito com seu mundo, principalmente pela construção vocal irregular, que constantemente desafina, além do crescente gaguejo, que emerge conforme a trama afunila. Tais características se acompanham do interessante uso dos óculos e das chaves, manuseados com muita fragilidade pela atriz.
Já, Ben Bradlee, o editor-chefe vivido por Tom Hanks, é o elo entre Kay e sua alma de jornalista. Se há todo um grupo de personagens destinado a convencer Kay a tomar as decisões que beneficiem o Washington Post financeiramente, Bradlee é a figura que faz contrapeso. Ao seu lado, há ainda a presença de personagens como Ben Bagdikian (Bob Odenkirk), que são os responsáveis por trazer os elementos externos ao jornal para dentro do núcleo de Kay e Ben. Porém, em virtude da má introdução do filme, não só os personagens surgem de forma confusa, como não há o mínimo senso de união na equipe – algo que Spielberg tenta corrigir com repetidos planos dos personagens trabalhando em equipe e complementando as tarefas uns dos outros, mas essas ações nunca são sustentadas pelos acontecimentos da trama ou pelos diálogos.
“The Post” é um filme eficiente em sua proposta. Pequenos toques, como a escolha de nunca exibir o rosto do presidente Richard Nixon, são importantes para criar a distância entre o governo e a população. A câmera de Spielberg, afinal, é, ao mesmo tempo, a câmera de um jornalista investigativo e o olhar do espectador. Enquanto os jornalistas do Washington Post são filmados em planos sequência que invadem suas salas e colam em seus rostos, o presidente Nixon só é filmado de longe, de costas, distante, enquanto sua voz só pode ser ouvida pelo telefone. Spielberg pode ser, em muitos momentos, um “overdirector” manipulador, mas ele sabe muito bem como aproximar seu público dos personagens.
Longe de ser um filme ruim, “The Post” é um produto com bons valores visuais, mas que, tecnicamente, é mal acabado. Sua primeira parte não parece encaixar, porque há muitas cenas que simplesmente não acrescentam elementos significativos à narrativa. Desengonçado e sem foco, “The Post” mais parece um filme feito às pressas, que se acha no meio do caminho após muitos tropeços.