3ª MSDC – Abrindo as Janelas do Tempo; Almofada de Penas; Cravo, Lírio e Rosa

3ª MSDC – Abrindo as Janelas do Tempo; Almofada de Penas; Cravo, Lírio e Rosa

Comentários sobre os filmes vistos na terça (5/11), durante a 3ª Mostra Sesc de Cinema

Matheus Fiore - 6 de novembro de 2019

O quarto dia da 3ª Mostra Sesc de Cinema talvez tenha sido o de mais altos e baixo da mostra até aqui. Enquanto curtas como “Almofada de Penas” exalam, durante a projeção, talento a cada frame, médias-metragem como “Abrindo as Janelas do Tempo” já surgem como candidatos a ponto baixo do festival, graças a uma espantosa dificuldade de seu realizador de executar sua proposta sem se auto-sabotar.

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“Abrindo as Janelas do Tempo”, de Santiago José Asef – ★

A história acompanha uma mulher que parece presa em um limbo temporal. Essa personagem é acompanhada em três momento distintos: sua infância, sua vida adulta e sua terceira idade. Acompanhamos, portanto, as dores e alegrias que permeiam sua jornada. Até aí, tudo normal. Uma premissa interessante, que é visualmente bem defendida pelas escolhas de montagem, direção de fotografia e direção, que utilizam uma “câmera-viva” que emula o cinema de Terrence Malick para criar uma narrativa etérea.

O problema é que, acompanhando essas jornadas, há… Uma banda. Um grupo musical que toca ininterruptamente e, inclusive, se faz presente não apenas como trilha extra-diegética, mas como personagens dentro da trama. A inclusão desse elemento musical soa invasivo para a própria narrativa. Mesmo que, a forceps, Asef tente criar uma conexão entre o áudio e o visual, a impressão que temos é que um filme mais contemplativo e essencialmente visual foi usurpado pelo grupo musical.

O fato de não haver diálogos ajuda a embutir na narrativa essa atmosfera etérea mencionada. Os silêncios e olhares contemplativos possuem alguma força, e Asef até faz boas escolhas de primeiros planos e close-ups que nos aproximam dos personagens e criam esse sentimento de suspensão de realidade que permeia a jornada da protagonista.

O problema é que, por trás dessas imagens, que vez ou outra carregam alguma força, há basicamente nenhuma profundidade. Em vez de potencializar a imagem, a trilha a sequestra, e faz com que as imagens pareçam simplesmente filmagens genéricas de bancos de imagens online, escolhidas apenas para ilustrar videoclipes musicais – ou melhor: um álbum visual, já que “Abrindo as Janelas do Tempo” tem injustificados 62 minutos. Uma pena.

“Almofada de Penas”, de Joseph Specker Nys – ★★★★

Adaptado do conto do escritor uruguaio Horacio Quiroga, “Almofada de Penas” nos mostra, ao longo de seus curtos 12 minutos, um trecho da vida de uma mulher recém-casada que adoeceu. A doença faz com que a jovem tenha alucinações e pesadelos constantes, enquanto seu marido, paralelamente, luta para recuperá-la.

O curta nunca busca aprofundar na parte científica do adoecimento da moça. A proposta de Joseph Specker Nys é utilizar a situação como ponte para retratar o matrimônio como uma forma de maldição, que faz com que os personagens pareçam fadados à tragédia. Os pesadelos da esposa, por exemplo, sempre mostram ela em busca de seu marido, que foge, ou diante do altar, prestes a se casar. O interessante é que a doença, que é tratada quase como algo sobrenatural e psicológico, afeta também o marido com o tempo.

A escolha de trabalhar o tema em stop-motion também contribui para a construção desse cenário sombrio almejado pelos realizadores. A referência mais óbvia são os longas de Tim Burton, que também puxam bastante da estética gótica do expressionismo alemão. Pelo teor psicológico, porém, é impossível não imaginar que Quiroga, autor da obra que inspirou o curta, tenha puxado algo de Edgar Allan Poe. Essa tensão psicológica acaba sendo mais trabalhada no marido, que fica amargurado com sua impotência diante da iminente perda da esposa e, por isso, vive dias cinzentos, solitários – algo bem pontuado pela fotografia dessaturada e pelos planos que destacam o vazio e a solidão do lar do personagem.

“Almofada de Penas” jamais desenvolve sua narrativa para construir uma crítica filosófica ou social acerca do modelo falocentrico e patriarcal de sociedade. A proposta é mais estética e, portanto, utiliza tais temas de forma suave apenas para potencializar o terror da situação, algo que funciona perfeitamente para um curta de apenas 12 minutos. Capaz de ter densidade dramática, um visual impecável e preciso por ser extremamente condizente com os sentimentos de seus personagens, e um sentimento de inexorabilidade da tragédia palpável, “Almofada de Penas” é, sem dúvidas, um dos melhores curtas exibido na Mostra Sesc até aqui.

“Cravo, Lírio e Rosa”, de Maju de Paiva – ★★★★

Filmes que utilizam o terror para falar sobre as mudanças da adolescência não são novidade. Mais recentemente, alguns sucessos como “Possuídas” e “Raw” obtiveram relativo sucesso ao abordar o tema utilizando lobisomens e canibais como metáforas para essa transição da juventude. Maju de Paiva aborda o tema de seu curta também pelo terror, mas, mesmo que explorando um território já bastante trabalhado no cinema nacional e internacional, consegue imprimir personalidade.

A trama é bastante simples: acompanhamos duas irmãs, uma pré-adolescente que deve ter em torno de 12 anos, e uma adolescente prestes a sair do ensino médio, que deve estar prestes a completar dezoito anos. Ambas possuem uma estranha relação com a morte e, constantemente, falam sobre morte, vampiros e espíritos.

O que dá o diferencial de “Cravo, Lírio e Rosa” é o fato de essas relações com o sobrenatural serem trazidas para o mundo físico, ao ponto de a irmã mais nova ter alguns encontros com figuras que certamente não são do nosso mundo. Ao longo do filme, Maju nos expõe situações nas quais as duas meninas lidam com relações amorosas, amizade, bullying e demais temas tão presentes na juventude.

A morte, tão presente em “Cravo, Lírio e Rosa”, acaba sendo não só um dispositivo de gênero, mas também uma forma de comentar metaforicamente os constantes fins de ciclo que permeiam uma fase marcada por tantas transformações, desconstruções e aprendizados. Não por acaso, tanto as cenas chave de conversas e conflitos do curta são fotografados em ambientes sombrios e ameaçadores: estamos diante de duas meninas que embarcam, cada uma em seu tempo, em fases de suas vidas nas quais precisarão abandonar suas zonas seguras para se reinventar e se descobrir.

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