Após o dia de abertura, a 3ª Mostra Sesc de Cinema apresentou para o público de Paraty alguns curtas-metragem com temáticas infantis. A seleção, assim como na cerimônia de abertura, foi muito bem feita. São obras que debatem questões culturais, de gênero e raciais por meio de obras que até se encontram, tematicamente, em algum ponto, mas que possuem propostas bastante diferentes entre si.
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“Vivi Lobo e o Quarto Mágico”, de Isabelle Santos e Edu Camargo – ★★★★
O curta em animação de Isabelle Santos e Edu Camargo acompanha a história de uma jovem chamada Vivi, que por ter Lobo em seu sobrenome, sofre bullying dos colegas de escola. Por tratar-se de uma obra pensada para o público infantil, logo percebe-se que a ideia de Santos e Camargo não é aprofundar as questões que permeiam o dia-a-dia de Vivi, mas sim criar uma atmosfera lúdica para a narrativa, que é eficiente para adultos e crianças, e explorar a transformação pela qual a menina passa quando embarca em aventuras mágicas.
Com uma protagonista deprimida e que não encontra motivos para sair de seu quarto, o caminho proposto pelos diretores é mostrar ícones femininos e a arte como caminhos para que Vivi volte a buscar interagir com outras pessoas. Figuras relevantes como Malala, Frida Kahlo e a jogadora de futebol Marta, por exemplo, são algumas das referências femininas que constróem a ponte entre Vivi e o mundo. A proposta funciona pela forma fantasiosa como tudo é abordado: em vez de mostrar a jovem simplesmente lendo artigos na internet ou fazendo qualquer outra coisa, Vivi embarca em viagens fantásticas ao descobrir uma porta na parede de seu quarto.
Elogiável também é como o curta consegue ser didático sem ser óbvio. Um exemplo é a sugestão da leitura, que não é feita por diálogos mastigados sobre a importância de se estudar, e sim pela projeção de imagens de Vivi lendo para, posteriormente, ter ganhos positivos pelo simples fato de ter aberto um livro. A personagem, por exemplo, identifica-se com uma obra por ter seu sobrenome no título, o que abre caminho para que, ao fim, ela encontre cor nesse mundo nublado onde vivia, por meio das referências femininas e por meio da arte.
“Icamiabas”, de Otoniel Oliveira – ★★★★
Pode parecer reducionista, mas não me soa errado (e nem ofensivo) definir “Icamiabas” como uma mistura de “Caverna do Dragão” com “Pantera Negra”. O curta de Otoniel Oliveira mostra um grupo de mulheres negras que atuam como super-heroínas, protegendo sua cidade de invasores.
A partir da bem-humorada aventura proposta no começo, Otoniel desenvolve discussões sobre capitalismo e trabalho por meio do conflito entre as heroínas e um invasor que quer explorar o paradisíaco local para obter lucro. O diretor não esconde o posicionamento político por trás da trama. O fato de as heroínas serem um grupo de jovens mulheres negras e o vilão, um idoso capitalista, por exemplo, mostra o viés anti-imperialista da animação.
Para além dos predicados ideológicos, o ponto que mais se sobressai em “Icamiabas” é a estética afrofuturista adotada pela animação, semelhante ao que foi feito em “Pantera Negra”. O visual das heroínas mescla características típicas da cultura negra, sem deixar de lado aparatos tecnológicos dignos da ficção científica, criando um universo que, mesmo que não seja totalmente original – afinal, o afrofuturismo é uma estética conhecida já desde os anos 90 –, se sobressai por conseguir contextualizar tais elementos em um cenário tipicamente brasileiro.
“Hornzz”, de Lena Franzz – ★★★★
O mais simples curta-metragem em animação exibido no dia é também o mais adorável. “Hornzz” acompanha uma viagem surrealista pela mente de uma jovem que vê materializados diversos elementos de seu quarto. Um desenho caído ao chão, uma marca no tapete: quase tudo o que estiver ao redor da jovem construirá esse novo universo no qual ela será mergulhada.
O interessante de “Hornzz”, porém, não é a simples construção desse mundo onírico no qual a criança é inserida, e sim os diversos estímulos que surgem com o tempo e transformam a jornada da protagonista em uma verdadeira viagem no tempo, na qual ela encontra momentos de felicidade e tristeza de sua vida enquanto envelhece.
“Hornzz” põe em conflito uma personagem cheia de incertezas, que parece estar sempre se descobrindo, redescobrindo seu passado e ressignificando suas experiências, algo bem representado pelas imagens da protagonista no escuro, com uma lamparina em mãos para iluminar o caminho. Ao fim, a superação do medo do desconhecido vem com o entendimento de que sucessos e fracassos fazem parte da jornada de amadurecimento de todos.