A Incrível Jessica James

A Incrível Jessica James

Gustavo Pereira - 29 de julho de 2017

O principal problema em A Incrível Jessica James – e como esse filme reúne problemas – está na falta de história. É notável um filme de 85 minutos conseguir encher linguiça. O diretor e roteirista James C. Strouse inventou uma nova vertente de cinema, o feminixpoitation (inspiro-me no blaxpoitation para cunhar o termo), com um filme que, ao invés de empoderar mulheres, reforça estereótipos masculinos sobre o que é o movimento feminista.

A primeira fala do diálogo de abertura, “acho muito perigoso buscar a felicidade plena em relacionamentos amorosos”, dita diretamente ao público pela personagem-título interpretada por Jessica Williams, estabelece uma mulher em busca da autoafirmação, independente e que orienta sua vida de acordo com os próprios objetivos. Mas, “curiosamente”, ela pode ser definida como “a ex-namorada de Damon” (Lakeith Stanfield, numa atuação bem insossa) e “a peguete de Boone” (Chris O’Dowd, um dos poucos pontos positivos do filme, com um ótimo timing de comédia). A mulher que se apresenta como independente dorme com um pote de Vick Vaporub aberto no quarto, por esse ser o “Cheiro de Damon”. O estilo de vida que deveria libertá-la a torna infeliz: ela vê casais e lamenta por estar sozinha.

Strouse tenta, até com certo êxito, evocar o estilo de Edgar Wright (Todo Mundo Quase MortoScott PilgrimBaby Driver) nos cortes dinâmicos, trilha como elemento narrativo e saídas cômicas inesperadas. Acontece que A Incrível Jessica James não é Todo Mundo Quase Morto e nem Strouse é Wright. O que o inglês faz com naturalidade, o americano faz de forma artificial, dando mais ênfase à forma do que ao conteúdo. E abandona tudo na cena seguinte.

É uma pena que o excelente trabalho de fotografia de Sean McElwee se perca num filme tão pobre, porque esta paleta é rica e vibrante, com duas trincas de cores análogas entre si que se complementam

A edição interna das cenas funciona bem, exatamente pela forma como constrói as interações entre os personagens. Mas, quando olhamos para a parte estrutural, A Incrível Jessica James é um filme sem ritmo: os três segmentos da vida de Jessica não conversam entre si e nem são equilibrados. Suas vidas amorosa e profissional são trabalhadas até o fim, mas as questões familiares, claramente importantes na formação da personagem, aparecem para justificar o ato final, mas não são desenvolvidas ou mesmo resolvidas.

Existe uma regra de ouro na construção de roteiro que é “mostre, não fale”. Um personagem não deve dizer o quanto gosta ou odeia algo, mas o deve mostrar, por meio de ações, fazendo com que o público deduza tal informação. Jessica é uma dramaturga que diz incontáveis vezes “o teatro é tudo para mim”. Mas, mesmo ela dando aulas para crianças e prendendo suas cartas de rejeição na parede, em nenhum momento ela aparece escrevendo uma peça. Ela também não faz uma citação a Shakespeare (e falo Shakespeare por este ser o dramaturgo que todos conhecem: uma pessoa que ama teatro sempre terminaria suas conversas com aspas de Brecht, Ionesco, Boal, Pirandello…). A Incrível Jessica James não faz uma ligação entre a personagem e aquilo que ela diz amar, um erro crasso.

Preciso novamente dizer o quanto gostei dessa paleta: não apenas pelo contraste equilibrado de cores, mas também pelo uso preciso de luz para dar profundidade de campo e destacar os personagens do fundo

Quando Todo Mundo Quase Morto ganha em densidade narrativa e se torna a história de um homem enfrentando seus maiores medos enquanto luta pela sobrevivência, não abandona a parte cômica. Ao contrário, os contratempos bisonhos que Shaun enfrenta enquanto desvela o grande drama de sua vida despertam as reações mais primárias na audiência: histeria e empatia. Estamos rindo de tudo, mas queremos que ele supere as adversidades. Strouse, que nunca na vida deveria se inspirar em um diretor mais competente do que ele, dá uma guinada no tom de seu filme, fazendo de A Incrível Jessica James um pseudodrama sem nenhum apelo, que ainda tira espaço para as tiradas cômicas. O final, quase que numa obrigação cartesiana de resolver todos os conflitos, parece um filho voltando pra casa de ré com o carro do pai, na esperança de que o velocímetro ande pra trás e ninguém perceba que o carro andou. Infelizmente, para ele e para quem assistir à sua obra, a lataria ficou toda arranhada.

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