Guerra ao Terror, Sniper Americano, Rede de Mentiras e Soldado Anônimo são só alguns dos exemplares de filmes inspirados em um dos conflitos mais estúpidos da história recente da humanidade: a Guerra do Iraque. Diferente das obras citadas, Na Mira do Atirador, novo filme de Doug Liman (Identidade Bourne e Jumper), pega uma grande situação e dela extrai um evento microscópico. O resultado é um enxuto exercício de tensão e drama, que aos poucos revela uma narrativa irônica com críticas políticas interessantes, mesmo que superficiais. Os oitenta minutos de metragem de Na Mira do Atirador centram-se em um conflito de três personagens. Os dois primeiros são a dupla composta pelo spotter (localizador que utiliza um escopo para auxiliar o atirador) Allen Isaac (Aaron Taylor-Johnsson) e pelo sniper Shane Matthews (John Cena). Ambos observam um quarteirão iraquiano à procura de um possível atirador inimigo. Eventualmente, os americanos acabam se tornando reféns de um sniper iraquiano.
Utilizando câmeras subjetivas que inserem o espectador no ponto de vista do spotter, Liman consegue construir a geografia dos cenários de forma competente. Enquanto acompanhamos o trabalho de Isaac ao escanear o território, passamos a conhecer todos os pontos por onde a ação ocorrerá, o que posteriormente é essencial para que saibamos o quão encurralados estão os americanos, na mira do atirador iraquiano. Construindo um clima realista e denso, a ausência de trilha sonora é importante para manter a pegada cru proposta pelo filme. Em compensação pela ausência de música, o constante som de vento e areia (principalmente durante a tempestade) funcionam para marcar o crescimento da tensão, bem como a presença do som da hélice de um helicóptero faz mais próximo ao fim do segundo ato, quando o filme naturalmente chega em um momento mais crítico de sua história.
Quando o protagonista, Isaac, se vê preso atrás de um muro, entra em cena, então, a guerra mental travada entre ele e seu inimigo, Juba. Por meio das conversas de rádio, o americano tenta obter o máximo de informações possíveis sobre o inimigo a fim de tentar fugir ou atirar. Já o vilão, no controle da situação, demonstra sempre serenidade e apenas brinca com o estrangeiro, tentando encontrar fragilidades emocionais para desestabilizar Isaac. Notamos aqui uma tentativa de Dwain Worrell, o roteirista, de incitar debates políticos interessantes acerca da guerra do Iraque. O local onde o conflito ocorre, por exemplo, é dito se tratar de uma antiga escola, totalmente destruída graças à invasão americana. Se por um lado é interessante mostrar como a invasão americana destruiu a escola (futuro) do país, é triste que tal relação existe simplesmente por diálogos. Muito mais interessante seria se o longa mostrasse que o muro é uma antiga escola, ao invés de nos falar isso. Apesar do apego ao texto, o filme ainda utiliza Juba e os outros iraquianos de forma inteligente, dizendo que, antes de serem “snipers profissionais”, exerciam profissões comuns, como professores e vendedores, ressaltando a mensagem de que os “monstros” da guerra foram criados pela própria invasão do governo Bush.
O roteiro também tem seus deslizes, porém. Demonstrando não ter conteúdo suficiente para entregar um longa-metragem, a obra estabelece uma narrativa in media res, isto é, começa a projeção já no meio da história. A intenção é, posteriormente, explicar todo o passado dos personagens a fim de tentar dar alguma profundidade às suas vidas que não só é desinteressante sob o contexto político do confronto como também parece mais uma ferramenta para prolongar a trama do que qualquer outra coisa. Mesmo assim, Na Mira do Atirador continua trazendo detalhes interessantes, mesmo que subaproveitados. A escolha de começar o filme sob o ponto de vista da mira do sniper americano e fechar sob a mira iraquiana, por exemplo, demonstra-se uma interessante rima visual e a sugestão de inversão de torcida por parte do espectador.
Em sua segunda metade, Na Mira do Atirador transforma-se num longa sobre ciclos destrutivos e criação de monstros. Se a América é responsável pela ascensão do Daesh no Oriente Médio, esta obra de Doug Liman é uma das que retrata, mesmo que de maneira superficial e simples, como foi criado o cenário propício para a o surgimento das células terroristas que, dez anos depois, são uma das principais ameaças à paz mundial. Com escolhas narrativas interessantes mas uma história excessivamente rasa, o filme encontra no aprofundamento de seus personagens seu calcanhar de Aquiles, já que nem consegue fazer o público sentir empatia, nem consegue extrair de seus atores algum sentimento se não ódio ou ironia. Ainda assim, uma experiência interessante.