No auge da era do Tinder e do amor líquido, adivinhar que Black Mirror traria em sua quarta temporada um episódio dedicado aos relacionamentos amorosos não era uma tarefa muito difícil. Hang The Dj, quarto episódio da quarta temporada da série, traz um mundo onde relacionamentos não surgem de maneira “orgânica”. Para se encontrar o par ideal, as pessoas devem submeter-se a um sistema que determina relacionamentos para, por meio destes, extrair o máximo de informações das pessoas a fim de, no futuro, encontrar para elas seu par perfeito.
Os protagonistas desse episódio são Amy (Georgina Campbell) e Frank (Joe Cole), jovens que se conhecem pelo sistema e, apesar do curto encontro de apenas 12 horas (lembrando que os relacionamentos só podem durar o tempo estipulado previamente pelo sistema), sentem que havia ali uma possibilidade de um relacionamento mais duradouro. Ambos estão, porém, submissos ao sistema, e após as 12 horas anunciadas, são obrigados a embarcarem em novos encontros e relacionamentos.
O título do episódio, Hang The DJ, é uma expressão em inglês para quando um DJ toca uma música inapropriada, sugerindo que ele seja enforcado para que sua música deixe de tocar. Disso, então, podemos interpretar que o capítulo mostra como duas pessoas descontentes com um sistema devem movimentar-se para quebrá-lo. Hang The DJ também trabalha valorização em excesso de aplicativos de relacionamento e convenções sociais (vale lembrar que o método de busca por encontros seguido é imposto como uma regra básica para viver naquela sociedade) e como ela afasta as pessoas do real intuito de qualquer relacionamento: estar com alguém que se ama.
Hang The DJ tenta falar sobre o amor verdadeiro e desprendido de convenções sociais em uma época onde, mais importante do que estar feliz, é ser socialmente aceito. É, acima de tudo, uma obra que faz seus personagens experimentarem os mais frios encontros para aprenderem que o que importa para eles não é o que um aplicativo diz, e sim o que eles sentem. Não é à toa que o episódio termine com personagens em um cenário cheio de pessoas em movimento, com um visual que alia cores calorosas com muitas sombras. É uma opção estética que resume tudo que o episódio quis dizer: a vida real é cheia de dúvidas e incertezas (se luz significa conhecimento, sombra significa ignorância), mas também é nela que encontramos o calor da experiência humana real, e não no frio e azulado mundo que vemos nos outros encontros dos personagens.
Mas nem só sobre amor fala Hang The DJ. Há um claro desejo do roteiro de brincar com nossa percepção de realidade e como nos entorpecemos na busca pelo amor verdadeiro. Os próprios personagens questionam sua existência, comentando sobre a dificuldade de relembrar de momentos que não estejam relacionados aos encontros marcados. Nisso, o roteiro estimula questões interessantes, como como a busca por um relacionamento ideal acaba ofuscando outros momentos relevantes da vida – se os personagens só se recordam de encontros e namoros, o que lhes resta da vida se não transar?
Charlie Brooks, criador e roteirista da série, ainda exibe todo seu gosto pelo trágico ao trazer, já nos momentos finais, acontecimentos que ressignificam boa parte da trajetória de Amy e Frank. A conclusão é, de certa forma, semelhante a do episódio Fifteen Million Merits, trazendo personagens que acreditam estar quebrando um sistema quando, ao final da jornada, estão apenas seguindo o roteiro. Talvez essa seja a ideia de Brooks, afinal. Sugerir que até nossos impulsos de busca por liberdade são tão previsíveis e manipuláveis quanto qualquer outro sentimento humano.