“Tomb Raider: A Origem” repete o erro de praticamente todos os filmes inspirados em jogos de videogame: despeja informações e referências que são claras apenas para quem joga e ignora todo o restante da audiência, que se vê frente a uma produção narrativamente risível, artisticamente pobre e mnemonicamente esquecível.
Não que as primeiras aventuras de Lara Croft no cinema fossem obras-primas. Em duas oportunidades, Angelina Jolie estrelou filmes quase tão ruins quanto este, que agora traz Alicia Vikander (Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por “Garota Dinamarquesa”) no papel principal. A diferença é que os filmes de 2001 e 2003 não se levavam a sério. Já o norueguês Roar Uthaug (“Presos no Gelo“) trata sua história como se ela fosse mais do que um enlatado genérico da “Sessão da Tarde”, tornando as inconsistências ainda mais imperdoáveis.
Se a primeira cena do filme busca introduzir o enredo, acaba por revelá-lo quase que na totalidade. A bruxa Himiko, “que carrega a morte nas mãos”, é trancafiada numa ilha inabitada e desconhecida do Japão para “salvar a Humanidade”. Quando Lord Richard Croft (Dominic West) vai atrás da localização desta ilha e desaparece, três fatos viram uma questão de tempo para serem consumados na tela: Richard está nesta ilha, Lara irá encontrá-lo e a tumba de Himiko será aberta. Não me xingue por supostamente dar um spoiler. Você assistiu a “Indiana Jones e Os Caçadores da Arca Perdida“ com as mesma certezas. Do contrário, não haveria filme.
O problema de “Tomb Raider” não é a trama rasa. Filmes como “Baby Driver“ se sustentam praticamente sem história e conseguem ser memoráveis. O que falta, e não pode ser uma coincidência que isso aconteça com todo filme inspirado em um jogo, é o mínimo comprometimento dos roteiristas em apresentar apropriadamente personagens, motivações e relações de causa e consequência no desenrolar das intermináveis duas horas de projeção.
Seguindo o padrão “Esquadrão Suicida“ esta-grande-ameaça-que-eu-preciso-enfrentar-só-existe-por-uma-burrice-minha, Lara começa uma jornada em busca do pai, que ela acredita ainda estar vivo. Tudo acontece com uma facilidade constrangedora (a localização da tal “ilha perdida” ser descoberta por um comandante bêbado diz muito) e mesmo as ameaças não têm peso, pois não afetam a protagonista até o momento em que ela encontra ajuda para resolver o “problema”, como quando ela sofre um ferimento.
Tudo o que o filme precisa para legitimar habilidades da jovem Croft, o faz por flashbacks. Não seria um problema se fosse um recurso, mas funciona como uma muleta. A edição, que demonstra desconfiar do produto final ao reprisar cenas inteiras minutos após elas terem acontecido, também picota as sequências de ação com cortes irritantemente rápidos. Alia-se ao desastre a direção pedestre de Uthaug, tanto de elenco quanto de cena, com blocagens que nada explicam sobre a geografia dos cenários (algo fundamental em sequências de perseguição, por exemplo) e uma câmera vacilante que omite a plasticidade das lutas com planos fechados. A fotografia é tão escura que torna difícil compreender o que está acontecendo na tela.
A prova de que o filme foi pensado para quem joga videogame é ser sustentado nas “missões” que surgem entre uma virada de roteiro e outra. A cena do avião, parcialmente mostrada nos trailers, sintetiza este ataque à inteligência do espectador: uma queda d’água que representa a morte certa, a menos que a protagonista fique na posição exata para se agarrar à asa do avião, pule na hora exata antes que a asa quebre, encontre um artefato na hora exata antes que o avião despenque e pule no momento exato para encontrar terra firme. Quando jogamos videogame, aprendemos isso por tentativa e erro ou procurando por um tutorial na internet. É desafiador até completarmos.
“Tomb Raider” não é um filme, é um jogo de videogame. Que outra pessoa está jogando. Ao público, resta assistir.