Uma Dobra no Tempo

Uma Dobra no Tempo

Wallace Andrioli - 8 de abril de 2018

A importância de “Uma Dobra no Tempo” na indústria cinematográfica – se trata da primeira produção com orçamento acima de 100 milhões de dólares dirigida por uma mulher negra – não pode ser ofuscada pelos problemas do filme. Mas o contrário também é verdade. Reconhecer o significado do feito de Ava DuVernay (dos ótimos “Middle of Nowhere”, “Selma”, “A 13ª Emenda”) não deve impedir o apontamento dos erros cometidos pela diretora em sua estreia fora do cinema independente. E não foram poucos.

Baseado no celebrado livro de ficção-científica infanto-juvenil de Madeleine L’Engle, publicado na década de 1960, “Uma Dobra no Tempo” impressiona negativamente pelo arrastar agonizante de sua narrativa. DuVernay não consegue imprimir qualquer energia a uma história de aventura protagonizada por crianças descobrindo mundos mágicos – que deveria, portanto, ser minimamente empolgante. É sintomático, nesse sentido, que o filme estreie nos cinemas brasileiros no mesmo dia que “Jogador nº 1”, de Steven Spielberg, pelo contraste perfeito que representam. Enquanto o primeiro é cansativo, com personagens e situações insípidas e dotado de uma gritante incapacidade de ser inventivo visualmente (ainda que vendido como obra de uma diretora visionária), o segundo marca o retorno de seu diretor a um cinema que ele, mais que qualquer outro, contribuiu para criar nas décadas de 1980 e 1990.

A vibração, o equilíbrio entre construção verossímil de personagens e abertura para o extraordinário e o pleno controle de cada elemento da linguagem cinematográfica (a preocupação com uma condução clara e elegante da ação em cena, a dosagem geralmente acertada entre humor e drama, as trilhas sonoras marcantes, o ritmo crescente que leva as narrativas passo a passo a epílogos emocionalmente poderosos), características de filmes como “Os Caçadores da Arca Perdida”, “E.T.” e “Jurassic Park” – mas também de “Poltergeist”, a trilogia “De Volta Para o Futuro” e “Os Goonies”, produzidos por Spielberg – que estão presentes em “Jogador nº 1”.

Não há nada disso em “Uma Dobra no Tempo”: a passagem da realidade à fantasia se dá de forma brusca, sem qualquer esforço para tornar palpável a experiência daquelas crianças com as possibilidades novas que se abrem a elas; possibilidades que são, aliás, em si mesmas aborrecidas, visualmente pouco inventivas (ainda que, novamente, se deseje criar a sensação oposta); e os personagens são ou irritantes – caso dos interpretados por Reese Witherspoon, Oprah Winfrey, Zach Galifianakis, Michael Peña e, especialmente, Deric McCabe –, ou apáticos – Chris Pine, Gugu Mbatha-Raw e, o que é mais grave, a protagonista Storm Reid.

É interessante observar que esse cinema infanto-juvenil de Spielberg frequentemente trabalha com a construção de mensagens claras, que apontam para a exaltação de valores familiares e para a superação de limites impostos (interna ou externamente) aos protagonistas. “Uma Dobra no Tempo” parece partir disso, ou ter esse caminho no horizonte. Os primeiros dez, quinze minutos de filme, que dão destaque aos problemas enfrentados por Meg (Reid) na escola, são bons. Mas DuVernay e a dupla de roteiristas Jennifer Lee (que escreveu alguns sucessos recentes da Disney, como “Frozen”, “Zootopia” e “Detona Ralph”) e Jeff Stockwell (de “Ponte Para Terabítia”, tomado como um dos modelos do que “Uma Dobra no Tempo” deveria ser) não conseguem ir além de emendar lições de moral rasas, expressas em várias frases motivacionais que parecem saídas de um livro de autoajuda qualquer. Nesse sentido, funciona quase como uma auto-ironia a presença na narrativa de uma personagem (vivida por Mindy Kaling) que praticamente só se comunica utilizando frases de efeito de terceiros, com o objetivo de estimular os personagens em sua missão.

Inócuo tanto humana quanto politicamente, o filme parece não justificar a escolha de uma diretora como DuVernay para o posto. Esse é, portanto, mais um caso de um nome promissor do cinema independente norte-americano que tem sua personalidade engolida e apagada ao assumir o comando de uma grande produção.

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