Quase dois anos após sua estréia, “Westworld” está de volta, e a segunda temporada não poderia começar melhor. Se, no primeiro ano, todo o arco desenvolvido ao redor de Dolores tinha como alicerce os robôs do parque questionando suas realidades, a nova temporada segue caminho oposto. Temos, em “Viagem à escuridão”, os anfitriões exercendo poder sobre os humanos e fazendo-os questionar suas realidades – a própria Dolores chega a repetir o questionário de rotina para um homem, momentos antes de executa-lo.
– O que é real?
– Aquilo que é insubstituível.
A resposta de Bernard para o questionamento de Dolores é um norte para todos os arcos remanescentes na série. A ex-dama indefesa que se tornou uma violenta anarquista vê em seu relacionamento com Teddy seu últimos resquício de civilidade, mesmo sabendo que é um relacionamento programado. Já Maeve, a anfitriã que fugiu do parque e busca encontrar a menina que, em outro tempo, foi sua filha, demonstra revolta quando um humano questiona seu laço artificial com a criança.
Na forma de administrar os arcos, “Westworld” mantém a estrutura de narrativas paralelas. Acompanhamos a revolução de Dolores, que ocorre dentro do parque, e a de Maeve, que ocorre fora do parque, no centro de operações da Delos. Já Bernard possui duas tramas distintas: uma de fuga do parque, que supostamente ocorre logo após os conflitos do último episódio da temporada anterior, e uma situada dias depois, quando uma equipe de resgate o encontra na praia e precisa, com a ajuda do personagem de Jeffrey Wright, entender o que gerou o caos.
Há ainda um quinto arco, o do Homem de Preto. Este é, até aqui, o que menos traz novidades. O personagem de Ed Harris continua na sua busca por jogos, o que, curiosamente, o enquadra no diálogo de Dolores com Bernard: para o “vilão”, seguir jogando e encontrar novos desafios é um caminho insubstituível, sua única alternativa. O personagem sequer cogita fugir do parque, mesmo que ele esteja ruínas.
Apesar de não desenvolver os temas – é algo que, obviamente, ocorrerá nos próximos capítulos -, é interessante como “Westworld” parece querer aprofundar as questões morais de seus personagens. Se o Homem de Preto escolhe ser mau, algo bem simbolizado pela cena na qual o personagem encontra e pega um chapéu preto, Dolores parece estar seguindo caminho parecido de forma inconsciente. Seu ódio a levou para uma jornada de aniquilação de qualquer vida humana que veja pela frente, fazendo com que seu senso torpe de justiça mais pareça vingança.
Digno de nota, também, é como a série aposta em paralelos para trabalhar os temas. É possível desenvolver uma interessante discussão filosófica se analisarmos os comportamentos dos personagens dentro e fora do parque. Dolores, tomada pelo ódio e ainda dentro do mundo do Velho Oeste, parece estar contaminada pela mesma forma de pensar primitiva e instintiva que aqueles que visitam o parque. Já Maeve, que está do lado de fora e tem mais conhecimento sobre o que acontece, age de forma mais racional, sendo capaz inclusive de utilizar alguns humanos para chegar ao seu objetivo.
Outro paralelo possível é o de Dolores com a equipe que está investigando o parque. Enquanto Dolores e seus seguidores buscam eliminar qualquer humano que encontrem, os agentes da Delos eliminam qualquer anfitrião que cruze seu caminho – o que evidencia como o desejo de morte da protagonista a aproxima cada vez mais daqueles que ela odeia.
Guiando essas narrativas paralelas, há o ponto de vista de Bernard. O personagem responsável pela criação de boa parte dos anfitriões do parque é usado como guia do capítulo, tendo suas crises de perda de consciência utilizadas pela montagem como transições para as diferentes linhas temporais. Bernard protagoniza a mais interessante cena do episódio (retratada na imagem abaixo), quando, enquanto trabalha ao lado de Charlotte para compreender o que houve no parque, diversas vezes dá de cara com um robô “drone” que, metaforicamente, está lá para lembrá-lo de sua natureza artificial, mesmo que esteja trabalhando ao lado dos humanos. Com isso, podemos esperar que Bernard se veja encurralado e, possivelmente, em crise, por não estar lutando ao lado de seus semelhantes.
“Westworld” volta com um episódio cheio de boas ideias e que alimenta diversas teorias. Personagens como o Homem de Preto e Hector Escaton, por exemplo, surgem em lugares bem diferentes dos que vimos no season finale do ano um, o que nos permite pensar: será que estamos acompanhando a mesma revolução que fechou a primeira temporada, ou há duas rebeliões narrativamente paralelas e situadas em momentos diferentes? Mais do que isso: “Westworld” nos permite, inclusive, questionar a realidade de todo o elenco. Não surpreenderia, por exemplo, se o parque fosse uma realidade virtual à la “The Matrix”, já que as transições que acompanham as memórias de Bernard muito se assemelham a uma tela com falha de transmissão, como se o apertar de um botão pudesse transportar o personagem para um novo momento.
Com muita paciência para apresentar os novos personagens, contextualizar os antigos e traçar seus paralelos morais e narrativos, “Westworld” volta com um episódio riquíssimo, que mostra o que a série de Jonathan Nolan e Lisa Joy tem de melhor: complexidade de estrutura e temas. Resta aguardar os próximos capítulos e ver se os temas serão desenvolvidos de forma que contribuam narrativamente para o programa.