Os filmes que compõem o programa “Diáspora”, na Mostra Cinema Negro, parte do 20º FESTCURTASBH, dialogaram com o continente africano. Da produção de um artista plástico à manutenção de um dialeto, o programa passou por diálogos intercontinentais em busca da construção de uma identidade.
Direção: Carmen Luz
Rio de Janeiro, 10 min
De maneira poética, a diretora Carmen Luz aborda a obra de Gerard Quenum (1971 -). O artista plástico beniense produz suas obras com objetos que são considerados “lixo”. O curta foi filmado em Cotonou (Benin) e Jardim Gramacho (Rio de Janeiro), em 2008.
Nas imagens de Luz, o sujo, feio, inútil e descartável é revitalizado e valorizado nas mãos de Quenum. A diretora traça um paralelo sobre a produção excessiva de lixo no Brasil, e sua transformação pelas mãos do artista. Também é questionado o caráter que conferimos aos objetos de acordo com nossa necessidade. Aos objetos, e também às pessoas – e sua cultura -, quando as vemos como descartáveis.
Direção: Aline Motta
Rio de Janeiro, 9 min
A diretora Aline Motta partiu em busca de respostas sobre sua origem a partir da descoberta de um segredo de família. Assim surgiu “Pontes Sobre Abismos”, curta que fez parte de sua obra de mesmo nome, composta por fotografias e, posteriormente, uma vídeo-instalação.
A artista viajou a Rio de Janeiro e Minas Gerais no Brasil, além de Portugal e Serra Leoa, reconstruindo os passos de seus antepassados em busca da própria identidade. Ao remontar suas origens, deparou-se com toda a violência que existe por trás da história da vinda dos africanos para o Brasil, inserindo em sua obra outro olhar sobre como essas histórias são contadas.
O ponto forte desse curta está nos questionamentos levantados acerca das noções que temos da prática da miscigenação no Brasil, que mascara os abusos vividos pelas mulheres negras ao longo da história do país. De maneira poética, Aline explicita a dor que foi apagada da construção da identidade nacional.
Direção: Everlane Moraes
Cuba. 15 min
Uma família afro-cubana santera se prepara para abater seu último galo. A câmera percorre os integrantes da casa e seus rituais. Os alimentos estão sendo picados, separados e misturados. O homem e o galo. O carinho no animal antes do abate. Seu preparo. Tudo, passo-a-passo, tendo como trilha os sons ambientes que incluem o cantarolar da mulher que mora naquela casa e as orações proferidas pelo homem.
“La Santa Cena” retrata os hábitos de uma família que mantém as tradições religiosas de matriz africana. Ele retira do nosso imaginário a ideia de que o abate de animais relacionado a pessoas que são adeptas dessas crenças são práticas abusivas. No cuidado, respeito e gratidão pelo alimento que são mostrados, percebemos que os selvagens somos nós, consumidores de carne industrializada.
Assista ao curta aqui.
Direção: Urânia Munzazu
Bahia. 17 min
Em “Merê” – que significa “mulher” -, a diretora Urânia Munzazu aborda o protagonismo feminino na tradição Jeje Mahi. De Benin (África) a Cachoeira (Bahia), a religião vodun sobreviveu aos anos de apagamento a que aspectos da cultura africana foram submetidos. As matriarcas do culto na Bahia foram convidadas para seu primeiro encontro com a Terra Mãe de suas crenças.
Unidas, essas mulheres reconstroem sua identidade por meio de uma fé ancestral. Com esse projeto, Urânia conseguiu unir as casa de Jeje Mahi, que mantinham pouca comunicação entre si. Levando-as, a diretora refaz o percurso das Rotas da escravidão e, por estar em sentido oposto, viabiliza a liberdade. O filme é marcado por depoimentos emocionantes dessas mulheres.
“Merê” quebra o silêncio (usando palavras da própria diretora) na tentativa de evitar o desparecimento dessa prática.
Direção: Safira Moreira
Rio de Janeiro. 5 min
Em cinco minutos, Safira Moreira resgata a memória fotográfica de famílias negras brasileiras. Ela tenta cobrir essa ausência da representação imagética com a apresentação dessas imagens e a nomeação das pessoas que estão nelas.
A primeira foto que vemos é de uma senhora negra carregando uma criança branca, com o registro de “babá” no verso. Essa funcionária, bisavó de Sofia, teve sua existência apagada. O fato de a fotografia ser uma prática – um luxo – majoritariamente elitista e, consequentemente, branco, faz com que a quantidade de imagens de pessoas negras seja muito pouca.
Em “Travessia”, os questionamentos sobre representação e representatividade que fogem aos estigmas socioculturais são levantados para que percebamos o quanto essa ausência limita o reconhecimento da identidade do povo preto.
Direção: Lilian Solá Santiago
São Paulo. 26 min
O curta de Lilian Sola Santiago “Eu Tenho a Palavra” resgata o dialeto de emergência, desenvolvido por africanos escravizados no Brasil. Na cidade de Bom Despacho (MG), o dialeto conhecido como “Língua de negro da Costa” ou “gíria de Tabatinga” sobrevive no bairro de Tabatinga. Dois personagens, Dona Fiota e Amadeu Fonseca Chitacumula, são nossos guias em uma viagem transcontinental sobre reconhecimento desse instrumento de comunicação.
O idioma é uma mescla de português rural do período colonial com o Banto. Palavras faladas por Dona Fiota são semelhantes às que Amadeu conheceu em Angola. O documentário consegue captar a resistência dessa língua, a importância da oralidade para sua manutenção e a tradição de respeito pelas informações que residem nas pessoas mais velhas.
Assista ao curta aqui.