Em “As Testemunhas de Putin”, o diretor Vitaliy Manskiy revisita, através de uma voz over analítica, as filmagens que realizou com Vladimir Putin em 2000, quando esse último exercia a presidência da Rússia interinamente e concorria à permanência no cargo. Ao reencontrar imagens produzidas há quase vinte anos, Manskiy repensa opiniões que tinha então, reavalia expectativas que nutria em relação ao político e põe as entrevistas com o presidente/candidato em perspectiva com o longo domínio que ele exerce até hoje. Eleito naquele ano, Putin passou a presidência para seu aliado Dmitri Medvedev em 2008, ocupou por quatro anos o posto de primeiro-ministro e retornou ao executivo em 2012, sendo reeleito novamente em 2018.
Claramente embebido de um posicionamento não só sobre Putin, mas sobre a história russa, Manskiy é bastante rigoroso na construção de seu filme. É do encontro do olhar atual, manifesto na narração, com as imagens de um passado recente (mas que soa muito distante, considerando a esperança de democracia depositada pelo diretor em seu personagem) que nasce o documentário. Da expectativa com o novo líder que ascendia, a “mão firme” desejada por parcelas consideráveis da população russa, à consciência atual do autoritarismo que se seguiu, mas que, aos olhos do presente, já estava de alguma forma anunciado em 2000.
“As Testemunhas de Putin” é bastante eficiente na construção desse olhar retrospectivo, ainda que carregue um pouco no contraste entre a recuperação por Putin do período soviético, símbolo máximo de autoritarismo para Manskiy, e uma imagem edulcorada de Boris Iéltsin, visto aqui sempre em família, como uma figura meio frágil, meio adorável, mas associada à democracia na Rússia. O próprio Iéltsin ascendeu ao poder com um golpe de Estado e se mostrou autoritário em momentos importantes de seu governo. Sem contar que a apropriação por Putin do passado soviético é bem mais ambígua que o filme deixa transparecer.
O maior êxito de “As Testemunhas de Putin” parece surgir do que não era exatamente sua intenção principal. Em conversa registrada pouco depois da vitória de Putin nas eleições, o diretor questiona o presidente sobre a decisão de revitalizar o hino da União Soviética. O entrevistado se refere a demandas populares, a uma nostalgia de um período de estabilidade anterior a 1991. Manskiy, posicionado no presente, parece julgar a dimensão manipuladora de Putin e a cumplicidade dos muitos que de alguma forma contribuíram para sua ascensão ao poder. Por isso a opção por encerrar o filme com vários rostos de homens e mulheres russas, as tais “testemunhas” do crime cometido contra a democracia.
Subterraneamente, no entanto, nessas mesmas imagens de rostos sofridos e cansados pode estar localizado o sentimento verdadeiro, ao qual Putin se refere, de desejo de retorno aos tempos soviéticos, à estabilidade social de um governo como o de Leonid Brejnev (1964-1982). Ou seja, ao apontar culpados, cúmplices, Manskiy acaba captando uma espécie de núcleo sentimental da relação entre sociedade e Estado na Rússia, que, construído historicamente, não toma a democracia liberal como necessariamente o melhor regime a ser adotado e reproduzido.