O feito da Marvel no cinema é notável. Com muito mais acertos do que erros (e não é hora de passar pano: erros foram cometidos), o estúdio ligado à Disney conseguiu contar uma longa história dividida entre 22 filmes. Personagens, cidades, países, continentes, planetas, realidades foram incorporadas a um universo imenso e, mesmo assim, coeso. Ao fim de “Vingadores: Ultimato”, a satisfação do encerramento foi inegável.
Mesmo os filmes ruins (e houve um bocado deles) conseguiram ter pelo menos um momento memorável que acrescentasse alguma informação a esta saga. Ou que fosse cinematograficamente bem construído. Ou muito engraçado. A Marvel no cinema se notabilizou pelo humor.
Essa lista (completamente subjetiva) reúne um momento de cada filme e os organiza do pior para o melhor. Obviamente, há espaço para debate. Alguns filmes poderiam ter uma lista só sua. Logo, se você perceber que um dos seus momentos favoritos ficou de fora, use a caixa de comentários. Esse tipo de publicação fica muito melhor com a interação do leitor!
Daqui pra baixo, há spoilers de TODOS os filmes da Marvel no cinema. TODOS. Você foi avisado.
Filme: “O Incrível Hulk” (2008)
Faço parte das pessoas que gostavam de Edward Norton como Hulk. Seu filme não é dos melhores (na verdade, é bem ruinzinho mesmo), mas foi o mais perto de “O Médico e o Monstro” que o MCU chegou. Com Mark Ruffalo, o personagem se tornou um alívio cômico. Competente, mas um tanto quanto “oco”.
Na cena em questão, Bruce está num momento íntimo com sua amada Betty Ross (Liv Tyler) e não pode chegar aos “finalmentes”, pois isso elevaria seus batimentos cardíacos e desencadearia uma transformação no Hulk. Alguém consegue imaginar a frustração de viver uma vida assim?
Essa cena faz um bom trabalho em mostrar.
Filme: “Thor” (2011)
Thor só foi se achar no terceiro filme. Para a sorte de todos, Tom Hiddleston fazia parte do elenco desde o primeiro.
Sua atuação nesta cena ultrapassa o padrão “Sessão da Tarde” que domina “Thor”. O ressentimento de quem busca sair da sombra do irmão e ser reconhecido pelo pai, ao mesmo tempo em que não se sente parte da família que considerava ser sua. A dor é representada nas lágrimas nos olhos de Loki.
E o protagonista, ao destruir a única forma conhecida de chegar à mulher que ama, mostra um comprometimento moral com o que é certo. Algo típico de um herói clássico. “Thor” não é incrível, mas essa cena é bem decente.
Filme: “Vingadores: Guerra Infinita” (2018)
Não sou o maior fã de “Guerra Infinita”. Inclusive, os acertos de “Ultimato” só realçam as falhas de seu antecessor. Uma história um tanto quanto corrida, sem ritmo e tom próprios, tensão artificial… Mas vou ficar por aqui, antes que eu seja xingado.
Essa cena particularmente me agrada porque reúne a inocência cômica do Peter Parker da Marvel no cinema ao tom paternal adotado por Tony Stark desde “Guerra Civil” e passando por “De Volta ao Lar”. E a “ordenação” de Peter como um Vingador – sem muita pompa e ainda assim um tanto quanto esnobe, típico de Stark – emula a ordenação de cavaleiros medievais, algo que em si guarda um simbolismo.
Filme: “Thor: Mundo Sombrio” (2013)
Ok, essa cena merece uma análise lance a lance. Vamos lá.
Primeiro, Thor guarda o seu martelo mágico Mjolnir, casualmente, num cabideiro. Darcy pensa que Jane estava numa festa à fantasia (bom palpite), Erik Selvig a cumprimenta por ter ido ao Oscar (sinceramente? Ótimo palpite). Selvig, por sua vez, está de cueca (“isso o ajuda a pensar melhor”). Todos tratam esta sequência de absurdos com a trivialidade de quem vê um amigo com um novo corte de cabelo.
O ponto alto da cena, quando Selvig reage de forma absolutamente hilária à morte de Loki, por mais que pareça apenas uma piada fácil, não é tão absurda em si: após os eventos de “Os Vingadores”, é perfeitamente compreensível que o professor tenha sofrido um trauma tão profundo do qual simplesmente nunca se recuperou. Bela forma de demonstrar os efeitos do tempo em um personagem.
Filme: “Homem-Aranha: De Volta ao Lar” (2017)
Quase sempre, quando o vilão é amigo da identidade secreta do herói, os indícios mais ridículos de que eles são a mesma pessoa são jogados na sua cara, o que faz o vilão entrar em negação. “Não, isso só pode ser coincidência. Ele? Nunca!”
Mas Adrian Toomes não é a melhor parte de “De Volta ao Lar” por acaso: o Abutre, usando de simples lógica, mata a charada de que está dando uma carona para o Homem-Aranha e, num dos melhores diálogos do MCU, tem uma “conversinha de pai” com Peter Parker.
Detalhe para o semáforo ficando verde quando a ficha cai:
Filme: “Homem-Formiga e a Vespa” (2018)
O pior filme da Fase 3 da Marvel no cinema. Mas este pequeno momento, ainda que uma quase cópia de outro do primeiro filme (por isso mesmo, melhor colocado nesta lista), é simplesmente hilário.
Um personagem secundário não ganha tanta moral com o público a troco de nada. Michael Peña nasceu para ser Luis e um dos poucos erros dos Irmãos Russo em “Ultimato” foi não ter começado o filme com ele recapitulando todos os principais acontecimentos do MCU.
Filme: “Homem de Ferro 3” (2013)
Não entendo porque as pessoas reclamam tanto desse filme. Como o humano Tony Stark reagiria depois de descobrir (e interagir) com deuses, alienígenas e chaves interdimensionais, quase morrendo no processo?
Surtando e desenvolvendo o máximo de armaduras para se defender de forças tão mais poderosas do que ele, ora pombas.
Não digo que o filme seja perfeito (embora a reviravolta envolvendo o Mandarim seja simplesmente brilhante), mas o mini-arco de Tony Stark é belíssimo: ele sai desse estado de insegurança e paranoia para a serenidade de alguém que descobriu quem realmente é. Tudo “embrulhado e amarrado com uma fita” neste último monólogo de um dos filmes mais “fora da caixinha” Marvel no cinema.
Filme: “Thor: Ragnarok” (2017)
Se “Homem de Ferro 3” é “fora da caixinha”, “Ragnarok” taca fogo nela. Por isso mesmo, é o melhor filme solo do Deus do Trovão. Além do humor típico de sitcoms, é um dos poucos momentos da Marvel no cinema em que não existe vergonha de ser um “filme de quadrinhos”. Cores vivas, uma paleta cheia de contrastes… o filme é bonito.
A participação especial do Doutor Estranho não entra na lista apenas pela icônica frase de Loki. Ela também mostra, sem muito alarde, o quão poderoso Stephen Strange se tornou desde o seu filme solo. Pense em todas as vezes que você viu Thor no MCU. Todo o seu poder, todas as suas façanhas.
Depois, veja o quanto ele é categoricamente sacaneado pelo Mago Supremo.
Filme: “Capitão América: Guerra Civil” (2016)
Àquela altura, a Marvel já havia desenvolvido um grau tamanho de evolução no seu universo cinematográfico que era capaz de apresentar um novo personagem dentro de um filme que não era dele. E da melhor forma possível: em ação.
Toda a composição da cena é incrível. Os cortes rápidos, o uso de câmera lenta, a troca de perspectivas (a ação alterna entre os pontos de vista do Capitão América, do Soldado Invernal, do Falcão e do Pantera Negra. A trilha, que sutilmente alterna para um ritmo africano tribal quando T’Challa está em evidência, também ajuda a tornar a perseguição num “caos ordenado”. Tudo acontece ao mesmo tempo, mas o espectador não fica perdido.
Melhor set piece de ação dirigida pelos Irmãos Russo no MCU.
Filme: “Homem de Ferro 2” (2010)
Esse é outro filme bem mediano da Marvel, mas com dois momentos incríveis. O outro, você deve imaginar, é a criação deste elemento (se imaginou, está correto).
Fico com esta pelo caráter intimista por trás da pornografia holográfica. Tony sempre quis que o pai sentisse orgulho dele (e quem já assistiu a “Ultimato” sabe o quanto). A perda repentina o impediu de mostrar o grande homem em que ele se tornou. Essa cena pode ser interpretada como um gênio sendo genial.
Eu a interpreto como um menino desenvolvendo o projeto da feira de ciências com o pai.
Filme: “Doutor Estranho” (2016)
A cena em si é boa, mas é o caminho até ela que a torna excelente.
No meio do filme, Wong alerta sobre o risco em usar o Olho de Agamotto de forma imprudente e ficar preso num looping temporal. Na última conversa com a Anciã, Strange aprende que o medo do fracasso é o que o impede de alcançar a grandeza e recebe a sua lição mais importante.
“Não é sobre você.”
Combinando os conhecimentos adquiridos pelo protagonista ao longo do filme, o clímax de “Doutor Estranho” é inesperado, mas não aleatório. Criativo sem ser apelativo. Um símbolo da evolução do personagem. É simplesmente um dos melhores finais em um filme da Marvel.
Fico devendo a fonte, mas li “em algum lugar” que Strange e Dormammu ficaram no looping o equivalente a mil anos terrestres. Por isso ele reaparece em “Ragnarok” tão poderoso: treinamento.
Filme: “Capitão América: O Primeiro Vingador” (2011)
A frase “se você não é nada sem o traje, então você não merece o traje”, dita por Tony Stark a Peter Parker, se aplica perfeitamente a esta cena. Heróis não são definidos por suas habilidades, mas pelo que fazem com elas. O “magrelo” Steve Rogers, sem pensar meia vez, estava pronto para dar tudo o que tinha a oferecer, a própria vida, para salvar os companheiros. Isso, prezado leitor, é ser um herói. Mas repare que Rogers não é o único que vai ao encontro da granada. Ela mesma, Peggy Carter, também estava disposta a morrer para salvar o máximo de vidas possível.
Se isso não é um casal perfeito, eu não sei o que é.
Filme: “Guardiões da Galáxia Vol. 2” (2017)
A questão paternal é muito forte nos filmes da Marvel, já repararam? E tudo nesta cena é comovente. Yondu, à sua maneira, via Peter como um filho. Mas a infância difícil sempre empurrou Peter para fora daquela “família”. Quando finalmente descobriu que Ego, seu pai biológico, não era quem parecia ser, finalmente enxergou em Yondu aquilo que ele sempre procurou.
A admiração é tanta que Peter sequer se dá ao trabalho de corrigir Yondu e contar que Mary Poppins não é um homem. Por mais bizarro que o grito “EU SOU MARY POPPINS, GALERA” possa parecer, ele nada mais é do que um pai conclamando que, aos olhos do filho, é “maneiro”.
Caramba! Esses filmes afloram emoção na gente, não é mesmo?
Filme: “Capitão América 2: O Soldado Invernal” (2014)
Chris Evans é mais carismático do que bom ator. Ele funciona como Capitão América pelo personagem ter uma aura pura que, de certa forma, aceita essa atuação mais “ingênua”. Mas essa cena de “Soldado Invernal” talvez seja o seu melhor trabalho de ator em um filme da Marvel. Quando Steve percebe que Peggy sofre do Mal de Alzheimer, Evans altera sua expressão três vezes em poucos segundos: ele começa em choque, passa rapidamente por uma expressão de puro sofrimento e rapidamente a esconde atrás de um sorriso encorajador. Isso é muito difícil e ele simplesmente acerta em cheio.
Perceber que o amor da vida do Capitão América tem uma doença que a impede de se lembrar da própria vida, mas que nem isso a fez esquecer dele é um soco na boca do estômago. Trabalho impecável de Hayley Atwell.
Filme: “Vingadores: Era de Ultron” (2015)
Eu não gosto de “Era de Ultron”. Todo o material de divulgação do filme dava a entender que seria uma obra de tom mais pesado, em que os personagens seriam forçados a crescer. “Fui tapeado”, diria o Pica-Pau.
Mas esse filme tão decepcionante produziu um dos melhores momentos da Marvel no cinema. O Gavião Arqueiro é o pai dos Vingadores, isso é inegável. Num dos melhores discursos motivacionais do cinema-pipoca, ele explica “didaticamente” que não importa o absurdo de uma situação. O que realmente importa é a sua disposição para consertar as coisas. Porque esse é o seu trabalho.
Filme: “Homem-Formiga” (2015)
“Homem-Formiga” seria o melhor filme da Marvel se Edgar Wright não tivesse sido desligado do projeto. Todos os bons momentos do filme têm a sua marca, e só podemos sonhar como teria sido um filme completamente conduzido por ele.
O storytelling peculiar de Luis é o mais perto desse filme ideal. Fãs de obras como “Todo Mundo Quase Morto”, “Scott Pilgrim Contra o Mundo” e “Baby Driver” estão mais do que habituados com essa edição ritmada, mesclagem do som diegético com a trilha sonora e um texto afiado para fins cômicos. Aplausos não apenas para Michael Peña, mas para todo o elenco envolvido, por fazer sincronia labial com esta loucura verborrágica.
Filme: “Pantera Negra” (2018)
Se eu sou branco e fiquei arrepiado com essa cena, não posso imaginar o impacto que ela tem num negro.
Os vilões clássicos do cinema americano dos anos pós-Guerra eram representados sob estereótipos estrangeiros que ameaçavam o modelo perfeito dos Estados Unidos. Com o tempo e a crescente complexidade geopolítica do mundo, aliada à quase extinção das fronteiras via globalização, a sociedade – junto com ela, o cinema – evoluiu. Os vilões não são mais ameaças externas. São resultado de falhas da própria sociedade que agora é ameaçada por eles. Esse é Erik Killmonger: uma vítima das idiossincrasias de Wakanda.
Seu argumento é tão válido que, mesmo na derrota, ele vence. Após ser confrontado por ele e pelo próprio passado, T’Challa muda sua opinião sobre o papel de Wakanda no mundo para que nunca mais surja um novo Erik.
Filme: “Capitã Marvel” (2019)
Vou soar repetitivo, mas se eu sou homem e fiquei arrepiado com essa cena, não posso imaginar o impacto que ela tem numa mulher.
“Capitã Marvel” é um dos melhores filmes da Marvel no cinema (falei com mais detalhes sobre os porquês neste artigo). Se tirarmos toda a indumentária super-heroica, os poderes e os alienígenas, temos uma história sobre uma mulher se impondo em uma sociedade patriarcal, descobrindo as próprias capacidades e não aceitando menos do que merece. Uma fábula moderna de empoderamento.
Yon-Rogg é o equivalente perfeito do homem incompetente numa posição de comando, que só consegue manter essa posição ao limitar seus subordinados. Quando ele, em clara desvantagem, exige que Danvers “prove” a ele que ela é “boa” lutando sem seus poderes, “Capitã Marvel” evoca o momento clássico dos filmes de ação em que bandido e mocinho jogam as armas no chão e resolvem tudo no tapa.
A reviravolta não é apenas simbólica. É extremamente satisfatória.
Filme: “Homem de Ferro” (2008)
Foi aqui que tudo começou de verdade. A primeira metade de “Homem de Ferro” é ótima e diz muito sobre a personalidade de Tony Stark que iríamos aprender a amar (e, em alguns momentos, odiar) nos próximos 11 anos. Mas esse é o primeiro “momento uau” da Marvel no cinema. E o visual da Mark II é um dos meus favoritos.
Além disso, já conversei sobre essa cena com alguns amigos engenheiros. Todos me disseram o mesmo: é exatamente assim que eles reagem quando um projeto deles funciona. O encantamento de ver uma ideia que só existia na sua cabeça virando uma realidade e a euforia de “trocar pneu com o carro andando” quando algo dá errado são perfeitamente transmitidos por Robert Downey Jr.
Não vou entrar na briga milenar sobre quem é mais genial, se Stark ou Shuri. Apenas aproveite:
Filme: “Guardiões da Galáxia” (2014)
Chris Pratt é perfeito nesta cena. Quando Quill entrega sua punchline sobre o “expressionismo abstrato” que é a sua nave (se você nunca entendeu plenamente a referência, clique aqui e veja um quadro de Jackson Pollock), ele inclina a cabeça e dá um sorriso demente. “O espírito da quinta série é forte neste aqui”. Rocket Raccoon saber quem é Pollock, mesmo não sabendo o que é um guaxinim, também acrescenta à cena um adorável tom de nonsense.
Daqui a 100 anos, esta cena ainda será lembrada como uma das piadas mais sujas que entraram num filme de censura livre.
Filme: “Os Vingadores” (2012)
Leitores de quadrinhos, principalmente quadrinhos de super-heróis, sabem do que eu estou falando: aquela quebra linda na estrutura de oito quadros por página, que provavelmente levou uma boa semana pra ser feita pelo ilustrador, em que duas páginas inteiras mostram uma riqueza de detalhes absurda e nós mesmos ficamos longos minutos procurando referências, quase babando em cima.
Joss Whedon conseguiu, de forma que ainda não foi igualada em nenhum outro filme da Marvel, replicar essa sensação durante a Batalha de Nova York. Um plano-sequência em que todos os personagens aparecem e temos um belo panorama da situação.
Lindo. Apenas lindo.
Vocês já sabem o que vem a seguir, não sabem?
Filme: “Vingadores: Ultimato” (2019)
O momento é do Capitão América, mas começo minha defesa citando o Homem de Ferro. Em “Era de Ultron”, Tony pergunta a Steve: “Não por isso que nós lutamos? Para acabar com a luta e ir pra casa?”
Os fortes seguem lutando, mas apenas os corajosos sabem a hora de parar. Rogers sempre foi um soldado aguardando pela próxima missão, alguém disposto a dar tudo de si para que o mundo tivesse uma segunda chance. Após dar uma segunda chance a todo o Universo, decidiu dar uma segunda chance a si mesmo.
O melhor momento da Marvel no cinema ser o último dá uma sensação de “dever cumprido”. Além disso, ressignifica toda a jornada. Salvar o Universo é algo tão grande que fica difícil se identificar. Mas salvar o Universo para poder, finalmente, ter aquela dança com a mulher amada? Todos podemos nos identificar com isso.