John Wick 3: Parabellum

John Wick 3: Parabellum

História contada a bala

Gustavo Pereira - 11 de maio de 2019

Uma cena de ação precisa, no mínimo, entreter o espectador. Um bom filme consegue usá-la para diferenciar os personagens participantes e entreter. Já um filme excepcional usa uma cena de ação para contar sua história, diferenciar personagens e entreter. É este o caso de “John Wick 3: Parabellum”: o filme não conta sua história entre uma pancadaria e outra, mas por meio delas.

John Wick 3 Parabellum Keanu Reeves

Tomemos por exemplo a primeira grande cena de ação, numa loja de armas. Logo após seu status de “excomungado” entrar em vigor, John Wick (Keanu Reeves) é perseguido por três assassinos interessados na recompensa oferecida a quem matá-lo. Sabendo que dispõe de segundos antes que o confronto comece, Wick tenta se armar, mas percebe que a munição não serve na arma que encontra. Ele precisa adaptar um revólver, desmontando-o e trocando o tambor original por um que aceite as balas disponíveis.

Poderia ser trivial, mas Chad Stahelski usa esta preparação para demonstrar, sem palavras, o estado de espírito do protagonista. Os enquadramentos, primeiro um fechado nas mãos trêmulas, seguido de outro focando no rosto frio de Wick, mostram que o “homem de 14 milhões de dólares” não está assustado com a situação-limite em que sua vida se encontra. Todavia, Wick está cansado, à beira de uma quebra por estafa. E a jornada – assim como o filme – está apenas começando.

Logo após sair desse apuro, John se mete em outro. Se ele não vai ter descanso, o espectador também não o terá. Isso não apenas reforça a gravidade da sua situação, mas também uma das suas principais características no combate corpo-a-corpo: Wick é um especialista em se aproveitar o entorno para obter vantagem sobre seus inimigos. Isso já é conhecido dos fãs da franquia por assassinatos infames como o do lápis. Mas, cinematograficamente falando, isso é fundamental. Antes da marca dos 20 minutos, “John Wick 3” tem três lutas longas. Como o personagem-título se adapta ao ambiente, poderia ter o dobro: nenhuma cena de ação é igual à outra.

John Wick 3 Parabellum Keanu Reeves

O uso de cores complementares em pontos específicos cria contraste numa fotografia de paleta saturada

Esse contraste fica claro quando vemos outros personagens em combate: Sofia (Halle Berry) condiciona suas ações ao apoio estratégico de seus dois cães. Zero (Mark Dacascos), o grande desafio de Wick, ao contrário de seu estilo de luta brutal, é muito mais performático. Isso desenvolve não apenas os personagens, mas a história em si. Sofia é ligada a seus cães, o que explica o vínculo entre ela e John. Zero quer superá-lo, matá-lo em combate, e para acreditarmos que ele é um adversário à altura, sua técnica é impecável e plasticamente bonita. John Wick também é técnico, mas seu estilo é ancorado na brutalidade.

LEIA TAMBÉM: CRÍTICA | JOHN WICK: UM NOVO DIA PARA MATAR

Dando continuidade aos dois filmes anteriores, “John Wick 3” expande a sociedade paralela dos assassinos. O tema central desta sequência é “regras e consequências”, de modo que a nova figura deste universo é, naturalmente, a da Juíza (Asia Kate Dillon). Ela é a encarregada de “restabelecer o equilíbrio à Força” depois que a Alta Cúpula foi desrespeitada pelos atos de Wick. Algo que também retorna é a cômica “ética profissional” do meio: em determinado momento, John enfrenta dois assassinos e os três ficam, simultaneamente, sem munição. Em vez de trocarem para a boa e velha “mão livre”, os três se dão o direito, sem palavras, de simplesmente recarregarem, dando àquele que for mais rápido o “direito” de vencer. Constantemente, Zero e seus capangas reconhecem a perícia de John.

John Wick 3 Parabellum Keanu Reeves

Antes do clímax do filme, Winston (Ian McShane) cita o escritor romano Vegécio: “si vis pacem, parabellum” (“se quer paz, prepare-se para a guerra”). A guerra começa neste filme, uma continuação imediata dos anteriores, mas não termina nele. A capacidade de prender o espectador na cadeira e terminar cada filme com um gancho para o próximo tem sido a grande marca da franquia “John Wick”. Aparentemente, enquanto viver, John terá alguém tentando matá-lo.

Vida longa a ele, então.

Topo ▲