“Para toda a eternidade” lida diretamente com a morte, um dos maiores tabus do Ocidente. Experimente falar algo como “quero que essa música toque no meu funeral” perto da sua tia religiosa: “Para com isso, menino! Fica atraindo essas coisas!” As pessoas acham que a “Manobra Morgan Freeman” de não falar sobre o assunto vai, magicamente, nos fazer imortais. Quando inevitavelmente – porque sim, a morte é inevitável – uma pessoa próxima morre, nos vemos sem nenhuma pista sobre como assimilar a informação (e nem se ela gostaria que alguma música tocasse no funeral…).
O luto é um tabu quase tão intenso quanto a morte em si. A rigor, nenhum de nós sabe sequer o que fazer com um corpo morto. Por isso contratamos funerárias, empresas que praticamente não existiam há menos de três seculos. Enquanto sociedade, evitamos a morte o máximo possível e pagamos – caro – para terceirizar as obrigações inevitáveis que temos com ela. Pode parecer casual, mas fato é que isso nos impede de ver a morte como um processo natural da vida. Caitlin Doughty busca iluminar este caminho com o seu “Para toda a eternidade”.
Doughty viaja por oito cidades do mundo, da cartão postal Barcelona (Espanha) à desconhecida Celebes do Sul (Indonésia). Em cada uma delas, se depara com rituais funerários de potencial cinematográfico, como uma pira crematória ao ar livre no Colorado, ou um columbário hi-tech que poderia compor um episódio de “Black Mirror” em Tóquio. A cada parada, a mesma curiosidade respeitosa da autora, que também é agente funerária e YouTuber (seu canal é tão interessante quanto seu livro).
“Para toda a eternidade” não busca tornar rituais funerários exóticos em eventos pitorescos para o divertimento do leitor. Tampouco é carregado da sisudez que o tema normalmente carrega. O livro busca, com uma simplicidade admirável, demonstrar como a nossa interpretação da morte não é “a certa”, mas apenas mais uma. Ao humanizar esta jornada (Doughty sempre vai às cerimônias acompanhada de locais), a autora não deixa dúvidas de que, por mais estranhas que tais cerimônias pareçam aos nossos olhos, elas não são piores do que as nossas. O capítulo dedicado ao México explica o Dia de los Muertos contando como a festa ajudou uma mãe a aceitar a morte do filho, algo que a “civilizada” sociedade estadunidense não conseguiu.
Ao fim da leitura, é provável que o leitor se pegue pensando em qual funeral gostaria para si. Se isso acontecer, “Para toda a eternidade” terá alcançado seu objetivo: mesmo que por um breve momento, teremos tratado da morte com a naturalidade que ela deveria receber.