Assim como seu antecessor, “It: A Coisa“, “It: Capítulo Dois” adapta a gigantesca obra de Stephen King lançada em 1986. Agora, acompanhamos o losers club 27 anos depois. O grupo formado por Bill (James McAvoy), Beverly (Jessica Chastain), Ben (Jay Ryan), Richie (Bill Hader), Mike (Isaiah Mustafa) e Stanley (Andy Bean) retorna a Derry para enfrentar novamente o palhaço Pennywise (Bill Skarsgård, novamente inspiradíssimo). Assim como no longa-metragem de 2017, Pennywise surge como uma materialização dos medos e traumas dos personagens, fazendo com que toda a narrativa gire em torno de metáforas sobre traumas e amadurecimento.
O argentino Andy Muschietti, que também dirigiu o capítulo anterior, traz algumas novidades na continuação. Em “A Coisa”, Muschietti alternou o horror com uma típica aventura infanto-juvenil oitentista, inspirada não só pela obra de King, como também por clássicos do cinema como “ET – O Extraterrestre” e “Os Goonies”. “Capítulo Dois”, por sua vez, substitui a aventura pelo drama, mesmo que mantenha uma dose de comédia típica das obras citadas – em menor dosagem em relação à “Coisa”, vale ressaltar. Entretanto, na continuação, Muschietti parece menos apegado à história e seus personagens e mais interessado em criar um carrossel de cenas de horror que funcionam apenas para potencializar o medo em si.
Em “A Coisa”, Pennywise estava diretamente ligado aos conflitos de cada um dos personagens e, por isso, derrotar Pennywise era também uma forma de superar traumas. Mas, em “Capítulo Dois”, mesmo que todas as cenas ainda possuam conexão direta com as trajetórias do losers club, os impactos dramáticos de cada um desses encontros entre os protagonistas e o vilão perdem um pouco desse efeito. Porém, após uma primeira hora inicial muito promissora, que abre espaço não só para a continuidade da história, como também para a expansão da análise social de Derry, uma cidade melancólica e marcada pela violência, aos poucos essas ideias são postas de lado.
A abertura do filme, por exemplo, nos mostra um casal LGBTQ+ sendo agredido por moradores locais e, depois, por Pennywise. A cena abre um leque de possibilidades que nem Muschietti nem o roteirista Gary Dauberman parecem identificar; Pennywise, ali, surge apenas como um pequeno pedaço de uma cultura de violência que permeia os Estados Unidos e atinge justamente minorias como a comunidade LGBTQ+, além de, claro, as crianças, que, por serem criadas em uma comunidade que glorifica a violência – vide a cultura armamentista que leva o país a ter uma média absurda de um tiroteio diário –, se tornam também figuras violentas.
Não aproveitar esses assuntos, claro, não faz nem de longe “It 2” ser um mau filme. É, como em vários outros casos, não um demérito, mas uma escolha narrativa dos realizadores, e a obra deve ser analisada justamente pelas escolhas feitas por eles. O problema é que, mesmo dentro de sua proposta, “It 2” não obtém sucesso. Após o ato inicial, o longa-metragem insere seus personagens em situações que os colocam em confronto com seus medos – sim, exatamente como em “It 1”. Por quase duas horas, assistimos a esses confrontos de maneira circular e repetitiva. A ideia de Muschietti parece ser fazer de “It 2” um carrossel de cenas do horror mais puro, expondo o espectador a diversos encontros com Pennywise que existem não necessariamente para desenvolver uma ideia adiante, mas para explorar exclusivamente o momento filmado.
Essa construção de mise-en-scène focada na experiência mais direta e descompromissada em si não é novidade. Recentemente, o ótimo “Morto Não Fala“, de Dennison Ramalho, faz algo parecido. Há, porém, uma diferença imensa. Enquanto a obra do brasileiro aproveita esse pretexto para conduzir o espectador por uma tour por variadas vertentes do horror – desde o jumpscare mais básico até o gore, o found footage e o slasher –, a do argentino parece presa à repetição das mesmas ideias. “It 2” até consegue contextualizar os embates entre Pennywise e seus protagonistas de acordo com os medos de cada um, mas as cenas trazem poucas novidades. Há, sempre, o uso do jumpscare, seja pelo som ou pela maçante imagem de Pennywise partindo das sombras e correndo até a direção da câmera. É, portanto, mesmo com uma proposta justa de aproveitar o horror independente da condução dramática, um filme que explora muito pouco as possibilidades imagéticas e sonoras dessa proposta.
Outro empecilho é o fato de Muschietti não conseguir balancear o horror com a comédia. Ambos os gêneros andam lado a lado não é de hoje; todo o subgênero slasher, por exemplo, sempre teve uma forte ligação com a comédia por ser um modelo de cinema que constantemente fala sobre o próprio cinema. Porém, no caso de “It 2”, não há exatamente uma alternância entre humor e horror, e sim o uso do humor para suavizar o horror – nitidamente para tornar o filme mais palatável para o grande público, já que ele é um blockbuster. Essa escolha entra em contradição com a construção básica da obra, que visa a imergir o espectador em cenas de horror independentes de um desenvolvimento dramático.
Não trazendo muitas novidades em relação ao original, que foi mais criativo tanto temática quanto esteticamente na forma como conduz a construção do gênero em torno das jornadas pessoais de cada personagem, “It 2” parece ainda mais perdido quando mostra suas pretensões dramáticas. A relação de Beverly com pessoas abusivas, por exemplo, é (mais uma vez) utilizada como ponto de partida para introduzir a personagem, mas sequer é discutida ao longo das quase três horas de filme. Outro exemplo é quando o filme cria um arco inteiro envolvendo dois personagens, para, ao fim, quando resolve tudo de forma que redirecione o foco de um deles – Bill desiste de agir em grupo para tentar resolver todo o conflito sozinho –, esquecer essa ideia na cena seguinte. Ou seja, a passagem termina com um choque emocional grande, que cria uma nova demanda para o personagem, mas essa ideia é plantada e descartada no momento seguinte, tornando o segmento completamente estéril narrativamente, já que o efeito foi nulo se não pelos sustos da cena.
Como resultado, “It: Capítulo Dois” é até um filme capaz de causar esses sustos, mas que jamais cria uma atmosfera que funcione uniformemente – o drama e o suspense sempre são subvertidos pela comédia –, nem desenvolve os arcos criados de forma que eles tenham algum peso, de fato, nas decisões dos personagens. Por isso não há, basicamente, nenhuma recompensa emocional quando o longa aposta na humanidade de seus personagens. Todos parecem ser apenas figuras unidimensionais, presos aos traumas do passado sem, de fato, superá-los ou discuti-los, apenas os utilizando como escada para… Cenas de Pennywise correndo das sombras até a câmera e dando sustos. É pouco para um filme com um elenco tão interessante e uma premissa tão promissora. Ah, se pelo menos houvesse, como há em “Morto Não Fala”, um passeio pelas tantas possibilidades e variações de um dos mais subestimados e ricos gêneros do cinema…