Falar sobre a franquia “Rambo” é equilibrar as contradições da sociedade americana com os seus impulsos primitivos de “resolver” problemas com violência. “Programado Para Matar”, filme original de 1982, foi o único a balancear estes elementos em proporções corretas. Após duas sequências completamente fora de tom, meras patriotadas dos Anos Reagan, e mais um revival em 2008, “Até o Fim” busca reencontrar este meio-termo entre o criador e a criatura, o monstro e a sociedade que o criou. Mesmo sem chegar perto da obra que consolidou a carreira de Sylvester Stallone (o ator já havia estrelado dois filmes da franquia “Rocky”) e recheado de obviedades, o filme de Adrian Grunberg tem virtudes.
“Até o Fim” é o primeiro filme em que Rambo evolui como personagem. Em vez de entrar numa zona de guerra por “amor à bandeira”, a motivação do protagonista é resgatar sua protegida-quase-filha-de-criação Gabriela (Yvette Monreal), sequestrada por traficantes sexuais mexicanos (sim, quase um ctrl+c/ctrl+v da trama da “Busca Implacável” de Liam Neeson). Rambo não é um soldado acatando ordens, mas um indivíduo decidindo agir por vontade própria.
Outro ponto positivo é a falibilidade do herói. Nas sequências de “Rambo”, principalmente na segunda e na terceira, o personagem entra e sai de “buracos quentes” sozinho e menos equipado, derrota dezenas de inimigos e cumpre suas missões sem grandes dificuldades. Mas já na primeira cena de “Até o Fim”, Rambo falha e não consegue salvar duas das três pessoas perdidas que ele procurava numa floresta. Numa das cenas mais marcantes de toda a franquia, o personagem de Stallone é brutalmente espancado pelos mexicanos. Há de se admirar o desprendimento de um septuagenário como Stallone para se expor de forma tão degradante na tela. Isso desconstrói um mito, mas também o humaniza.
O filme peca pela sua pobreza narrativa. Gabriela representa, nas palavras do próprio Rambo, “toda a pureza do mundo”. Ela é mais uma projeção do protagonista do que uma pessoa de verdade. Maria (Adriana Barraza), avó de Gabriela e governanta da fazenda de Rambo, existe exclusivamente para declamar longos trechos expositivos que “justificam” o elo entre a neta e o patrão e a sua futura jornada para resgatá-la. Fechando o trio de personagens descartáveis, Paz Vega interpreta Carmen, uma jornalista investigativa que surge para dar informações a Rambo sobre o paradeiro dos Irmãos Martinez (vividos por Óscar Jaenada e Sergio Peris-Mencheta) e depois desaparece.
Igualmente simplória é a representação dos mexicanos no filme, resumidos a traficantes sexuais, policiais corruptos, estupradores e pais negligentes. Seria injusto chamar o filme de xenófobo (“Sicário”, de Denis Villeneuve, é bem mais problemático nesse sentido), mas “Até o Fim” cai na vala comum dos estereótipos. Gabriela “merece” ser salva porque é “diferente”, mas a compaixão de Rambo não se aplica às demais jovens em igual situação.
Deve-se dar crédito ao filme por, diferente de seus antecessores, não tentar dar ao banho de sangue produzido por Rambo nenhum ar de “justiça poética” ou de “dever cívico”. Rambo diz estar literalmente buscando vingança, algo que encontra eco em grande parte da população (não apenas americana, mas mundial) que, tão desacreditada com a ineficiência do sistema judicial, apoia a política do “olho por olho, dente por dente”. O problema é de solução muito mais complexa do que isso, mas “Até o Fim” é tão maniqueísta que, dentro de sua realidade particular, a ultraviolência é mesmo a melhor solução. Nesse sentido, o filme funciona como um escapismo, um “prazer culposo”. Talvez “Rambo” seja um “Harry Potter para justiceiros”: em lugar de uma varinha, uma machete; em vez de quadribol, homicídios duplamente qualificados.
No ato final, ao usar de táticas de guerrilha muito similares às dos vietcongues, Rambo – talvez involuntariamente – reconhece que seus inimigos não eram seres humanos piores do que ele, apenas lutaram com as armas que tinham em busca da vitória. Isto cria uma narrativa circular, voltando para o princípio de tudo. Difícil dizer se é a melhor forma de encerrar a franquia, mas inegavelmente faz jus ao personagem presente no imaginário popular há quase 40 anos.