Existem algumas figuras na música popular brasileira cuja presença no meio é hoje indisputavelmente sólida e remetente a décadas de história que deslancham em reconhecimento e adoração. É o caso da cantora maranhense Alcione Dias Nazareth. O longa “O Samba é Primo do Jazz”, novo trabalho da documentarista Angela Zoé, estreia no 48º Festival de Cinema de Gramado com a proposta de jogar uma luz sobre a carreira do que hoje é uma das artistas musicais mais conhecidas do Brasil.
Mesclando imagens de arquivo variadas com novas filmagens, entrevistas com a cantora propriamente dita com depoimentos de parentes, amigos e colegas da indústria, ensaios com momentos de descontração, o filme faz um apanhado da vida de Alcione e, sobre ele, vai costurando a visão própria que possui da artista. Visão, diga-se de passagem, verdadeiramente apaixonada. É visível o carinho que Zoé tem por sua documentada, e esse carinho é transposto na forma cuidadosa com a qual a realizadora lida com todo o material que está em tela. Esse cuidado também pode ser visto em seu trabalho anterior, o documentário “Henfil”, de 2017.
Alcione é sempre vista sob uma ótica favorável, de reverência. Aqui, é mostrada como uma mulher batalhadora com uma enorme aptidão à música, que conquistou tudo o que possui com muito esforço. Para não apresentar essa perspectiva de forma demasiadamente unilateral, Zoé a constrói a partir de relatos de todos os que estão em tela. A grande variedade de material de arquivo indica um bom trabalho de pesquisa. O longa é efetivo em seus propósitos elucidativos, informativos, e possui em seu bojo alguns momentos de beleza e ternura sinceros, como o ensaio ao lado de Maria Bethânia.
Com todos os seus méritos, ao longo de toda a sua duração o filme mantém-se dentro de uma linguagem documental bem tradicional. Seus maiores arroubos de criatividade imagética estão na maneira como ele integra as novas filmagens com imagens de arquivo. Uma entrevista antiga dada à jornalista Marília Gabriela é rapidamente intercalada com um depoimento gravado especialmente para o documentário. No entanto, ambas as falas são relativas ao mesmo assunto, e complementam-se perfeitamente, como se apesar do grande intervalo de tempo e da diferença de contexto, Alcione estivesse concluindo o mesmo raciocínio. O trabalho de montagem mostra-se aqui como um dos melhores aspectos do longa. Momentos assim são o que dão o tom aos setenta minutos de projeção, além de serem o ponto alto dos mesmos, de um ponto de vista cinematográfico.
Documentários que funcionam como um estudo acerca de um determinado artista já estão se tornando uma tradição na música popular brasileira (na estrangeira, nem se fala). Medalhões do cancioneiro nacional, como Vinícius de Moraes, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Ney Matogrosso já possuem uma boa quantidade de filmes dedicados a suas vidas e obras. Assim sendo, “O Samba É Primo do Jazz” surge para preencher esse espaço. Irrompe 2020 como o documentário definitivo sobre a cantora popularmente conhecida como Marrom.