Borat: O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América (2006)

Borat: O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América (2006)

A odisseia pela América pós-moderna

Claudio Gabriel - 25 de outubro de 2020

Nas primeiras cenas de “Borat – O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América“, vemos o repórter Borat (interpretado por Sacha Baron Cohen) fazer uma espécie de demonstração sobre seu país, o Cazaquistão. Em um documentário, ele fala sobre a cultura, política, economia e as diferenças de gênero locais, sempre em um tom quase irônico. A direção de Larry Charles já retrata uma realidade que será destruída posteriormente, especialmente pelo choque entre nações. As reações do jornalista quando diz que irá para os Estados Unidos não são propriamente animadas, mas sim curiosas. Charles, dessa forma, deixa claro que aquela perspectiva da história não será inteiramente americanizada, mas sim sob uma nova ótica.

Porém isso não é propriamente tratado como antropológico dentro do filme. Na realidade, é até curioso como a obra simplesmente passa por cima de algumas discussões, simplesmente com o objetivo de fazer piada, a grande maioria de humor negro. O filme até se torna autoconsciente, além da ideia do mockumentary tradicional, ao abordar essa visão sobre a comédia. Quando Borat conversa com um homem sobre do que os estadunidenses achariam graça, ele rechaça tudo. É praticamente o longa deixando claro para o público que aquilo demonstrado é, na realidade, de se realmente criticar. Apesar disso, o mais curioso será a maneira como vamos lidar com isso.

É , basicamente, um retrato sobre os Estados Unidos. Viajando por diversos estados, conhecendo as comidas, formas de se comportar e até o feminismo, Borat vive uma grande imersão por esse novo país, essa nova realidade entorno dele. Para o protagonista, é como se aquilo fosse errado, em um embate claro de visões de mundo modernas ante pós-modernas – até por isso a discussão sobre papel das mulheres e a questão racial aparecerem em momentos que quase retiram o foco de uma possível problemática. Larry Charles traz diretamente essa visão totalmente diferente do personagem, para como ele vai se tornando parte daquilo, como se o país pudesse nos modificar por completo. E o diretor deixa claro, nem sempre em um bom sentido. A cena final, em que nos deparamos em como todo o acontecido é transportado para a realidade do Cazaquistão, Charles coloca dúvidas sobre as verdadeiras beneficies disso tudo.

Ao mesmo tempo que brinca com a americanização de mundo, “Borat – O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América” também faz comédia com alguns países vivendo ainda em outro tempo dentro da Europa e Ásia. Um dos casos, que até recentemente esteve na mídia brasileira, é da Bielorrúsia, em que possui como líder o chamado “último ditador da Europa”. Por conta de diversos conflitos decorrentes do fim da antiga União Soviética, certas nações se tornam um misto de presente e passado. Isso acontece no próprio Cazaquistão do longa, engolido em um crescimento dos tigres asiáticos, mas totalmente pobre por dentro de si, como é bem retratado no local em que Borat mora.

O filme não toma propriamente lados dentro do debate antropológico que acaba assumindo. Até por isso, a ideia de ser um documentário falso também funciona mais, dando um espaço menor para interpretações da narrativa e maior a uma encenação constante. Sacha Baron Cohen, aliás, retoma uma tradição bem clássica de um humor mais físico em sua comédia, como feita por Buster Keaton e Laurel & Hardy, por exemplo. Suas formas de correr, jeitos de se expressar e mais, geram um verdadeiro cosmo desse personagem, gerando uma maior credibilidade sobre quem ele verdadeiramente é. É como se o longa não conseguisse rejeitar a possibilidade de existência de Borat.

Apesar de tudo, é fato que a obra tenta dar um peso cômico e dramático quando coloca o arco da paixão do personagem título com Pamela Anderson, de Baywatch. Sua tentativa desesperava de chegar até aquela mulher — em uma brincadeira com a criação de uma “mulher perfeita” pelo mundo das estrelas — acaba por causar um certo elemento que foge de toda a discussão principal. Não que não funcione por si só, afinal as cenas trazem um caráter ainda mais “vergonha alheia”, que é explorado em momentos mais pontuais pela narrativa. Porém, parece colocado um pouco aleatoriamente dentro da estrutura da obra.

O que verdadeiramente importa em “Borat – O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América” é a forma de como o filme lida com esse choque cultural. Os caminhos encontrados por Larry Charles são menos explícitos, abrindo possibilidades para a existência de problemas em ambos os mundos. Porém, ao dar espaço nessa imersão de um universo totalmente novo, pós-moderno, em que tudo parece líquido, Borat acaba por ser uma espécie do passado, de um outro cosmos. Assim, ao trabalhar a integração da vida dos dois países, é como Charles olhasse ao público para o futuro. É como se a tolerância, ali, pudesse causar algo melhor, do que simplesmente uma imposição americana.

Topo ▲