Malcolm & Marie

Malcolm & Marie

Sam Levinson discute o cinema através de uma obra anticinematográfica

João Oliveira - 9 de fevereiro de 2021

“Cinema não precisa ter uma mensagem. Ele precisa ter um coração e eletricidade!”

Em meio a toda a verborragia dos diálogos de Malcolm & Marie, esta exclamação do personagem de John David Washington para Zendaya se destaca. Estas duas orações são capazes de sintetizar o filme de Sam Levinson. O longa se passa após a noite do lançamento de uma película de Malcolm onde sua esposa Marie se demonstra desapontada por não haver recebido um agradecimento do diretor, acarretando numa sucessão de discussões de relacionamentos.

À medida que os embates vão ocorrendo, é possível perceber que Malcolm e Marie são apenas extensões de Levinson e que estes debates são do diretor consigo mesmo e dele com o estado da arte, em especial do cinema estadunidense.Gravado durante o período da pandemia do corona vírus, o caráter reflexivo do longa metragem é bem-vindo e faz todo sentido. Enfurnados dentro de casa, todos nós acabamos realizando esse exercício em algum momento e em certo grau, faz parte da natureza humana se questionar e questionar seu ambiente e é exatamente isso que Levinson se propõe a fazer.

Ao lado de sua fiel escudeira, Zendaya, com quem ele havia trabalhado na elogiada Euphoria, o diretor e roteirista utiliza de seus diálogos para questionar a função da crítica, a lógica mercadológica do cinema norte-americano e a questão do autor na arte. Portanto, Malcolm & Marie não é um filme sobre casamento, mas sim sobre o relacionamento de Levinson com a arte.

É irônico, então, que o diretor recorra a maneiras absolutamente anticinematográficas para estabelecer seu manifesto. É até possível interpretar este comportamento como uma antítese ao cinema de blockbuster e uma priorização ao suposto cinema de arte, no entanto, o diretor parece mais interessado em usar de suas tecnicalidades apenas como artifícios estéticos vazios. Preto e branco, planos estáticos e distantes, priorização de diálogos e atuações sobre a imagem, Malcolm & Marie vai contra o cinematográfico e aparenta teatral. Mesmo que o diretor tente em seus diálogos exaltar com fervor o cinema independente estadunidense, com citações a grandes diretores como Elaine May, a experiência cinematográfica proposta por Malcolm & Marie beira o nulo: não há nuances, signos visuais, nada ali evoca cinema, pois o diretor faz questão de verbalizar todos seus questionamentos, em busca de uma afirmação das verdades que cria.

Com isso, o filme se torna um exercício egoísta. Levinson debate questões universais sob um ponto de vista próprio e já tem suas conclusões tomadas acerca destes assuntos, tornando seu filme um exercício egocêntrico de imposição da sua opinião para quem o assiste. Claro que no meio disso há coisas interessantes sendo debatidas, como o caso da produção fordista de filmes de franquias visando o lucro em detrimento da arte ou a própria questão da crítica, que Malcolm faz questão de tratar como igualmente inútil como o cinema, mas Levinson não dá margem para que seu público reflita estes temas, impondo sua visão o tempo inteiro.

Assim, a citação que sintetiza o filme também o contradiz. Malcolm & Marie é um filme discursivo, que tenta a todo custo passar uma mensagem para seu público, mas de forma impositiva e um tanto quanto sisuda. Se Levinson clama tanto por coração no cinema, o diretor parece uma pedra de gelo por trás das câmeras deste filme. Sua maneira completamente frontal acaba por esvaziar qualquer dramaticidade proposta pelo roteiro e não há atuação inspirada que o salve. Seus questionamentos por uma arte verdadeira são esvaziados e Malcolm & Marie, no fim das contas, é só mais um filme mercadológico da semana de um serviço de streaming.

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