Em tempos de Elon Musk e Jeff Bezos, é natural que o cinema americano leve para as telas as reflexões sobre empreendedorismo quanto estude o sonho americano. A ideia não é nova, claro. Clint Eastwood fala sobre o sonho americano há décadas e como ninguém. Mas essa perspectiva partindo do ponto de vista dos grandes empresários se tornou algo mais comum nos últimos dez anos, principalmente após o sucesso da obra-prima de David Fincher: A Rede Social, e de O Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese.
Eu Me Importo, de J Blakeson, aborda o tema como uma história de origem de super vilões. A golpista Marla (Rosamund Pike, praticamente reprisando o que fizera no ótimo Garota Exemplar) está praticando mais um de seus golpes para roubar dinheiro de idosos, mas dessa vez, acaba entrando em conflito com o traficante Roman (Peter Dinklage). Ambos operam às margens da lei para construir seus impérios e, mesmo que tenham muito em comum, se veem como inimigos automaticamente pelo fato de a vítima da vez ser simplesmente a mãe do traficante.
Blakeson faz de Eu Me Importo uma obra focada em duas figuras que, ao mesmo tempo em que representam faces diferentes do sonho americano, representam também o fim de qualquer limite ético para alcançar seus objetivos – o que, na visão não só desse mas de muitos diretores, é o único caminho para a conquista da América. Essa ideia é formulada, porém, sem grandes dramatizações dos crimes cometidos pela dupla principal. Na verdade, o tom de Eu Me Importo é sempre leve, sem explorar tanto o sofrimento causado por esses personagens.
Se por um lado, isso limita o potencial dramático do filme – a normalidade com que Marla encara tudo que passa impede que tensões maiores sejam estabelecidas –, por outro, isso funciona perfeitamente para um dos objetivos do diretor: ressaltar como a despersonalização da figura humana e o egoísmo puro são os combustíveis do sucesso. Ainda assim, o excesso de tempo dedicado ao jogo de gato e rato protagonizado por Marla e Roman acaba truncando o filme, que fica perdido entre a crítica sociocultural e a disputa da dupla como mero dispositivo dramático e, às vezes, cômico.
O final, mesmo que limitado pelo pouco desenvolvimento que o precede, não deixa de ser interessante. Quando os personagens se veem obrigados a pôr de lado suas cicatrizes, dores e diferenças em prol da única coisa que para eles importa: o sucesso. Mesmo que ele custe o total abandono de sua própria humanidade e que só reste uma imagem pública, vista por uma tela de televisão filmada pelo próprio Blakeson. Por trás da tela, a imagem que fica para o espectador é a de um plano no qual branco e azul da bandeira americana são unidos pelo vermelho do sangue, reiterando como, na América, o sucesso só vem às custas de um sacrifício não digno e não honroso, que pode custar não só sua própria imagem como sua própria vida.