Paranoia Agent

Paranoia Agent

Obsessão e desespero no conflito entre o real e o imaginado

Egberto Nunes - 2 de junho de 2021

Muito do atrativo que percorre o anime Paranoia Agent, dirigido por Satoshi Kon, se deve à busca de algo que justifique seus acontecimentos, o entendimento ou algum propósito. É possível dizer que o mesmo espectador se vê investigando, pensando demais no “Shounen Bat”, o criminoso protagonista do anime, tal como os detetives que perseguem o garoto. Porém, aqui vale mais a caminhada do que precisamente alguma significação envolvida.

Adentrar a consciência do diretor, como se pode entender algumas avaliações, é se ver também como uma das vítimas do garoto de patins, boné e taco de beisebol, se encontrando e se perdendo a todo instante. Essa é a descrição do retrato falado de Tsukiko Sagi, a designer de personagem do “Maromi”, pequeno cãozinho mascote do anime. Tsukiko é a primeira vítima, pressionada e invejada pelo trabalho que envolve sumariamente sua criatividade e tem no Shounen Bat uma pequena salvação, um descanso e repouso que a coloca longe de todos os prazos por alguns dias. A descrição de Shonen Bat e o momento de desespero serão os denominadores comuns das vítimas seguintes. 

Kon trabalha com um elenco que vai desde garotos disputando um conselho estudantil até prostitutas e jornalistas corruptos abusadores. O rito de cada episódio se baseia em entrar na mente e problemas dessas pessoas para enfim dar espaço para o protagonista de poucos segundos da série.

Porém, longe de se basear apenas nas relações dos personagens, Kon explora ainda mais a sua técnica a fim de entregar a base de seu título: paranoia. Tal como seus outros trabalhos (Perfect Blue na questão da perseguição e o conflito consigo, Paprika atravessando sonhos e realidade, por exemplo como os mais conhecidos), a intensidade como ele trabalha um desencontro da própria consciência dos personagens e usa isso para confundir e prender o espectador é o mais notável.

As sequências subitamente rápidas que contornam os momentos de ataque daquele que irá aparecer somente por alguns segundos como um vulto e a escolha por traços que chamam a atenção para o desespero que as vítimas se encontram são ferramentas para a ambiguidade que é o cerne do anime. É um conflito que vai do realismo social implícito pelos seus temas para um lugar de fantasia garantido pelo exercício de experimentar dentro da investigação. Nesse sentido, existir ou não o garoto de boné, é o que menos importa. O interessante é como se dão os traços dessa busca. Se o primeiro gênero é de investigação, a ideia logo é desmanchada para outros lugares possíveis da animação. 

Ainda é com muito rigor e seriedade que se dá a entrada de elementos psicológicos, fantasiosos e outros essencialmente dramáticos no anime. Entre a ideia de transformar em mágica exacerbada, melodrama ou qualquer exagero que se pode enxergar, a continuidade da dúvida sobre o que se entende da existência dessas projeções em um lugar tão próximo do real vai permanecendo. Todos esses efeitos estéticos dos gêneros vão entrando de forma natural do anime, causando um misto de surpresa e curiosidade na forma como eles são tão bem apropriados e desenvolvidos.

Isso pode ser entendido em um episódio em que o drama toma forma de um anime de RPG. As fases, os monstros, a luta de espadas vão se relacionando com o desenvolvimento até ali do que vemos, relacionando os rostos e implicância na narrativa até aquele momento. Subitamente, ficamos no meio termo do investigador que abraça essa imaginação e de outro, que dentro dela, tenta ignorar.

Em outro momento, o mascote de Paranoia Agent, Maromi, mencionado no começo do texto, aparece na sua própria animação, com traços infantilizados, numa história pequena e que nada teria a ver no momento com o que estávamos assistindo. Em seguida, tudo some e somos levados para uma sala de animação com o tradicional traço de Paranoia, onde  Maromi vai aos poucos nos explicando a função de cada um no trabalho. Como um comentário sobre a indústria de animação e a carga excessiva que cada um tem, entre eles, a nossa vítima, um orgulhoso e desajeitado chefe de cronograma. O aperto e a pressão desse personagem vão sendo aos poucos sendo tomados pelo medo de Shounen Bat, que visto pelo retrovisor do carro que a vítima dirigia, vai se confundindo no clímax da sua ansiedade e desespero.

Aliás, é interessante notar o papel que Maromi acaba exercendo durante o anime, numa espécie de guia interno, um outro objeto comum da cidade e seus personagens. É um contraponto e um igual com Shonen Bat. Ambos se implicam na ideia de escapismo que o anime crítica. Em um caso, um produto da cultura pop, o McLanche feliz dos jovens e dos adultos, noutro, a salvação que engole todos igualmente em suas piores condições.

Mesmo os episódios longe de qualquer caminho na narrativa, se tornam interessantes pela possibilidade de investigar as diversas angústias que aquelas pessoas passam. Acontece que aquilo que deveria ser afastado acaba sendo desejado pela sensação de bem estar que a batida é causada. Cada vez mais essa consciência perturbadora encurralada pelas decisões de cada um e influenciada pelas manchetes entra em conflito com o garoto, que não fala, apenas reage, e ataca. O maior embate aqui será justamente com a personagem com a vida mais sofrida, mas com a atitude mais apaziguadora e resiliente comparando com as outras vítimas. A resposta de Kon aqui será de posicionar Shonen Bat de modo monstruoso e caricato pelas sombras da porta, dividindo o quadro com a mulher que conta sua história, caindo cada vez mais para o plano do real versus fantasia do anime. 

Em suma, o que se encontra aqui, é, entre outras críticas possíveis de entender a série de 13 episódios, um conflito de escapismos, pessoas presas em um lugar e que finalmente conseguem fugir dele. Isso pode ser visto até mesmo nas cenas mais cotidianas possíveis, onde a correria do trânsito é preenchido pelas vozes em fim de expediente ou discussões entre casais à distância. Entre a paranoia que persegue uma cidade, um estudo das relações humanas e o espaço que a engole, Paranoia Agent acaba absorvendo esses elementos críticos, mas sem nunca se deixar tomar pelo simples uso direto deles como incidentes condenáveis de certas práticas. Há, no entanto, o intenso estudo do que se pode transformar essas consciências desesperadas dentro dos gêneros que o anime vai adentrando. Mesmo que algum personagem fale com todas as palavras a possível interpretação para o acontecimento central, isso não importa, é menosprezado perante as as imagens e conversas sobre o protagonista vão agindo sobre os outros. Entre um simples “que viagem complicada foi essa?’, vale retomar uma síntese célebre de outro anime de autoria de Satoshi Kon (Millennium Actress, que adentra a consciência de uma atriz durante um documentário): é a busca que é mais interessante do que o seu possível resultado.

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