O primeiro questionamento que deve ser feito sobre o filme sueco-polônes Suor (da leva pandêmica de Cannes 2020 e agora distribuído pela MUBI) é sobre como ele se centra em uma protagonista que é uma digital influencer, mas ele pouquíssimo procura pensar e integrar os dispositivos móveis e as redes sociais dentro de sua estrutura, seja enquanto função narrativa ou até imageticamente. As particularidades do espaço digital são tão pouco aplicadas que aquela personagem poderia ser famosa por qualquer outro meio mais antigo, como a televisão, de modo que isso não impactaria muito o filme.
Então, pergunta-se: mas isso é uma problema ou uma escolha válida do diretor e roteirista Magnus von Horn? Um pouco dos dois. Por um lado, é uma escolha porque fica muito evidente o seu movimento consciente de deixar as telas e tecnologias uma força que existe no “extracampo”, no terreno implícito, fazendo do seu foco a imagem física, o rosto de sua protagonista. Até por isso, há de se elogiar o trabalho da atriz Magdalena Koleśnik por fazer o papel de duas pessoas em um, em um trabalho de se ‘mascarar’ e ‘desmascarar’ constantemente, alternando da pessoa pública (a estrela perfeita) para a pessoa privada (o ser humano falível) em um mesmo plano sem cortes, em questões de segundos.
Assim, Suor vai se revelando principalmente como um filme de atuação, em que fragilidades vão sendo expostas ao espectador, que enxerga o lado para além da câmera, assim como também assiste uma espécie de performance da protagonista, confidenciada somente a nós. Isso permite com que Magnus von Horn tire o melhor de sua atriz, que é quando ela está fazendo este jogo de forças de segurar ao máximo possível sua máscara, mas quase a beira do colapso mental, como na cena da musculação em que ela disfarça seu choro e surto por problemas reais com o esforço da intensidade do treino.
Só que, por outro lado, é impossível ignorar que a própria questão central do filme é negligenciada por ele, em um território que soa inexplorado, de que falar sobre a imagem pública necessariamente implica questionar seu aprisionamento dentro de uma tela de celular, o contato com o público por comentários, a reprodução do rosto em milhares de dispositivos, uma imagem que se espalha em todo lugar, a falta de privacidade. Todos esses elementos parecem existir muito mais externamente ao filme, justamente porque sabemos como funciona na vida real, do que de fato algo que é parte da narrativa.
Além do próprio jogo interno de duas versões da protagonista, há também o próprio jogo entre a personagem e a câmera, existindo uma relação ambígua entre elas. Afinal, von Horn decide cair no termo que vem se popularizado nos debates cinéfilos de “complexo José Padilha”, que significa dar força aquilo que ele busca criticar. Afinal, sua câmera incomoda a protagonista, é intrusiva com ela, parece se comportar até como um papparazi, vai chegando perto e sufocando com extremos close-ups. Sem dar um veredito sobre os efeitos dessa câmera, mas ela existe numa linha muito tênue entre fetichizar o próprio sofrimento da protagonista, mas também há como enxergar de maneira menos cínica e tentar ver que aquelas aproximações do rosto da personagem são um modo do diretor tentar desvendar qual é a verdadeira pessoa por trás daquela máscara.
Ainda sobre a decupagem, vale destacar a impressão de que Suor, assim como uma leva de filmes contemporâneos, que escolhem essa decupagem de câmera na mão como uma muleta que esconde uma falta de ideia na encenação por parte do diretor, se tornando mais fácil de justificar com a desculpa de que a câmera é tão instável quanto a sua própria protagonista. Em contraste, um ótimo uso de mise-en-scéne, talvez o melhor momento da obra, é quando a protagonista está em um almoço em família. Até então, a história vinha de sequências extremamente sufocantes com a personagem, em que ela é o centro das atenções, e aí durante a mesa com os familiares isso se reconfigura temporariamente. Naqueles minutos, é como se ela fosse só mais uma pessoa comum, com a câmera inclusive passeando pelas outras pessoas da família. No entanto, é claro que isso dura pouco e a situação inicial é retomada quando os parentes começam a entrar no assunto de sua própria fama.
Se muito se falou sobre a execução de Suor em termos de encenação, no fim, existe uma grande pergunta que fica no ar. Afinal, narrativamente, o que ele oferece? O filme consegue fugir de uma “introdução ao mundo do digital influencer“? O que as ações e acontecimentos da trama possuem a oferecer de reflexão e questionamento de algo que já não se sabia desde antes dele começar? Alguém antes de ver o filme não sabia que influencers digitais também são seres humanos mais complexos do que aquilo que aparece por trás das telas e que inclusive eles sofrem, que todo esse mundo é uma mentira e também um peso… blá blá blá? Suor não oferece nada além dessa primeira camada de superficialidade, as situações narrativas vão se acumulando sem muita comunicação entre elas e mais parecem um acúmulo de esquetes mais clichês possíveis que reforçam aquilo que já sabiamos sobre a vida de um influencer, são 1h40 de pura redundância. Como cereja do bolo, ainda há toda aquela sequência do espancamento do assediador que é 100% dispositivo de roteiro, ou seja, que você não vê genuidade, é uma situação de roteiro criada na base do choque mais barato para fazer a protagonista passar por uma mudança e transformação, ela existe com um propósito pedagógico da maneira mais vigarista possível dentro da trama, é aquele pior tipo de moralismo que o cinema moderno tem a oferecer.