Eu Também Não Gozei

Eu Também Não Gozei

Simplicidade e emoção

Wallace Andrioli - 24 de janeiro de 2024

O documentário Eu Também Não Gozei, de Ana Carolina Marinho, acompanha a difícil jornada da atriz Letícia Bassit, amiga da diretora e mãe solo que tenta descobrir quem é o pai de seu filho. Esse é um filme que vai crescendo conforme a narrativa avança e abraça a simplicidade de sua proposta. Nos momentos iniciais, há uma alternância de temporalidades que mais confunde do que contribui para apresentar o drama da protagonista, além de dificultar a apreensão de um elemento que a princípio parece importante para a narrativa, a passagem dos anos. A partir de certo ponto, no entanto, sobretudo quando entra em cena a busca, propriamente dita, pelo pai desconhecido, Eu Também Não Gozei se torna mais linear, sólido em seus intentos e emocionante na abordagem direta das emoções que propõe.

O ponto forte aqui é não se afastar dos tipos de registros pensados desde o início: a câmera que acompanha Letícia pelas ruas de São Paulo e em espaços privados, as cenas de performances artísticas da protagonista, que comentam momentos específicos do filme. Nada de imagens de arquivo, de entrevistas com especialistas, de encenações ilustrativas pretensamente poéticas. Felizmente, sobretudo para esse último caso, que é o elo mais fraco do recente Incompatível com a Vida (2023), de Eliza Capai, documentário emocionalmente poderoso que também fala de gravidez e maternidade, mas sob outro recorte.

É, aliás, interessante notar como a diretora encontra caminhos para usar indiretamente esses recursos sem perder a coesão visual de seu filme. A conversa com as advogadas não deixa de ser uma entrevista com especialistas num tema que interessa a Eu Também Não Gozei (a perspectiva jurídica sobre o reconhecimento da paternidade) e as já citadas performances de Letícia remetem de alguma forma às tais encenações – cafonas, sintomáticas de um desapreço pelo tratamento cuidadoso das imagens, e, lamentavelmente, cada vez mais presentes no documentário brasileiro. Mas, aqui, esses momentos estão perfeitamente integrados à diegese e não quebram uma lógica de encenação anteriormente estabelecida.

Eu Também Não Gozei segue sendo um típico documentário brasileiro contemporâneo, no sentido da predominância de personagens e temas sobre investigações estéticas e proposições mais arrojadas, mas que se sobressai em alguns aspectos: o reconhecimento da própria simplicidade e a abertura a uma frontalidade emocional, e, dentro disso, a capacidade de encontrar grandes momentos dramáticos (aqueles em que Letícia lê os resultados dos testes de paternidade e conversa com os possíveis pais ao telefone) e cenas-síntese dos temas do filme (a interação dos bebês, a brincadeira final com o filho na cama). Além do esperado cuidado no tratamento da imagem da protagonista, nunca julgada ou levada a dar explicações sobre sua sexualidade, e, o que é melhor, respeitada em sua relação ambígua com essa ausência da figura paterna.

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