O dispositivo que estrutura Eros, primeiro longa-metragem de Rachel Daisy Ellis, dialoga com aqueles dos dois principais documentários de Gabriel Mascaro: a reunião de registros num mesmo tipo de ambiente – as coberturas em Um Lugar ao Sol (2008), os motéis aqui – e a entrega da câmera para os personagens filmarem outras pessoas e/ou a si mesmos, com os resultados posteriormente organizados pela montagem – como em Doméstica (2012). Mas, ao se interessar por esse espaço tão particular do motel, Ellis introduz um elemento que dá uma cara muito própria ao seu filme: o protagonismo do sexo, velho conhecido, meio esquecido, do cinema brasileiro.
A frontalidade dos momentos íntimos de Eros constrange o moralismo e algumas certezas incrustadas: corpos surgem em cena conforme seus próprios desejos, tanto no sentido do que mostrar – o tabu do pênis ereto, por exemplo, automaticamente vinculado à pornografia, é ignorado aqui, ao mesmo tempo que um dos presentes no filme, provavelmente a pedido próprio, tem seu órgão escondido por um borrão –, quanto no da diversidade das sexualidades elencadas; personagens articulam visões de mundo muito particulares (os casais evangélicos que buscam na Bíblia as justificativas para frequentarem um espaço associado por suas religiões ao pecado) e exibem complexidade comportamental fascinante (o homem de meia idade que confessa seus erros passados a uma prostituta e demonstra enorme fragilidade emocional).
Essa abertura ao mesmo tempo curiosa e empática de Eros é uma de suas maiores forças. A diretora segue bem a lição imprescindível de Eduardo Coutinho, de criar para si uma prisão (o dispositivo) para possibilitar que, dentro dela, as figuras e histórias mais incríveis se manifestem. E ainda protege o filme do mero fetichismo com a idiossincrasia alheia ao colocar a si mesma, na primeira sequência, na mesma situação dos personagens: no motel, exibindo o corpo seminu para a câmera.
O resultado é um filme engraçado, comovente e angustiante, que, conforme os registros se sucedem, vai da leveza (a exploração da suíte com teto solar) à melancolia extrema (o último personagem), passando pelo amor delicado e sofrido de uma mulher transexual, as fantasias de um casal adepto do BDSM e a encenação de três atores pornôs – essa última, aliás, muito bem alocada pela montagem logo depois do “segmento evangélico”, criando um curioso bloco temático na narrativa que une sexo e religião, já que o trio interpreta um ménage em que tomam parte um padre e uma freira. Eros testemunha, assim, um pedaço da infindável diversidade de experiências afetivas/ sexuais que constituem a vida humana, e, mais especificamente, brasileira. E, o que é melhor, trata-se de um documentário estilisticamente rigoroso, que não se contenta com falar de amor, solidão, tesão, fetiche etc., mas que busca, e encontra, a melhor forma para transformar esses temas em imagens fílmicas dotadas de ética e emocionalmente poderosas.