Beleza Oculta

Beleza Oculta

Gustavo Pereira - 24 de janeiro de 2017

Uma leitura mais atenta das minhas críticas deixa claro que, se existe um pecado capital que eu abomino, é o da Preguiça. Beleza Oculta, estrelado por Will Smith, Edward Norton, Kate Winslet e Michael Peña, poderia ser um filme bom. Acaba sendo regular exatamente pela famigerada preguiça.

Howard (Smith) é fundador e diretor de contas de uma agência de publicidade de sucesso. Seu sócio e melhor amigo, Whit (Norton) é redator. O longa começa com uma celebração por aquele que foi “o melhor ano da história” da agência. No discurso de agradecimento, Howard brinda seus funcionários com um discurso sobre os três conceitos abstratos que movem a boa propaganda: amor, tempo e morte. “Todos nós queremos o amor de alguém, precisamos de mais tempo e tememos a morte”, ele diz. O clima de alegria é substituído num 360° da câmera, que mostra um Howard na mesma posição no espaço, mas três anos no futuro. Uma pessoa completamente mudada, depressiva e isolada pelo luto após a morte de sua filha de 6 anos.

Como muitos contratos da agência dependem do relacionamento de Howard com os clientes, Whit, Claire (Winslet) e Simon (Peña) começam a temer pela falência do negócio. Existe uma oferta pela venda da agência para outro grupo, mas Howard não permite que o assunto seja sequer discutido e cabe a ele a decisão, pois é dono da maior parte das ações.

Em uma completa distorção do significado da palavra “amizade”, Whit, Claire e Simon contratam uma detetive particular (Ann Dowd) para descobrir se Howard mantém algum hábito que pudesse comprovar uma eventual insanidade, de forma a vender a agência sem o seu consentimento. Mesmo não precisando de inimigos tendo amigos como esses, é difícil se conectar à dor de Howard: o filme não estabelece como ele era antes da perda da filha (a cena inicial tem menos de dois minutos) e também não oferece material para que nos comiseremos por seu estado. Em boa parte do filme, Will Smith anda de bicicleta e não fala. Fica sentado no escuro e escreve cartas.

Literalmente

Esta é a descoberta da detetive que está nos trailers e proporciona o grande ato de Beleza Oculta: as cartas que Howard escreve precisamente para as abstrações de seu discurso no começo do filme. Ele está de luto – mal trabalhado – e impossibilitado de ficar em paz novamente com a Morte, o Tempo e o Amor. De posse destas cartas (curiosamente, Howard envia cartas para abstrações pelo correio), seus três “amigos” contratam atores (Helen Mirren, Keira Knightley e Jacob Latimore) para interpretarem as abstrações, de modo que Howard ache que está louco e decida vender a agência.

Este completo despropósito tenta levar a situações inusitadas mas, honestamente, desperta certo nojo pela forma como as pessoas que construíram suas vidas ao lado de um homem passando pelo pior momento da vida são capazes de manipular tamanho sofrimento para ganho pessoal, travestido de preocupação. O texto é pobre, muitas vezes apelando para piadas rápidas que tentam amenizar o clima indigesto do argumento. Em um esforço de criar um roteiro “amarrado”, Whit, Claire e Simon também têm problemas pessoais que envolvem Amor, Tempo e Morte. Expostos ao longo do desenvolvimento de forma forçada, servem para humanizar aquelas pessoas que estão armando para seu chefe-sócio-amigo. Não cola.

A relação de Howard com Madeleine (Naomie Harris) se revela o segredo mais óbvio do filme

Em um momento digno de risos, Whit muda o slogan de um comercial no meio do teste de elenco, acatando a sugestão de uma das atrizes presentes. Não é assim que redatores trabalham: este efeito pode até parecer “cinematográfico” (já era brega nos anos 90), mas a produção de um slogan passa por literalmente dezenas de pessoas. A Criação fornece inúmeras opções e algumas são selecionadas. Uma defesa para cada uma delas é preparada e o material é apresentado ao cliente. Este muitas vezes pede uma amálgama de duas, até três das opções oferecidas. É extremamente trabalhoso oferecer o que o cliente quer, sem esquecer do que o cliente precisa com aquele slogan. Por mais que Whit seja um profissional fora de série e deseje de coração oferecer ao cliente o melhor slogan possível (muitos simplesmente esquecem do projeto assim que ele é aprovado), não basta dar um grito pro coordenador do teste de elenco para avisar que “o slogan mudou”. Mistificações como essa de Beleza Oculta acabam desvalorizando o trabalho de profissionais sérios.

A ideia interessante de Beleza Oculta se perde no roteiro preguiçoso. No fim, Allan Loeb se preocupa em explicar cada pormenor do filme, deixando nada para o espectador deduzir, ou mesmo refletir ao final da sessão. Para uma história previsível e baseada em conceitos abstratos, ser tão concreto nas conclusões é decepcionante.

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