O grande problema de filmes com viagem do tempo é a dificuldade em inserir as variações de acontecimentos sem que crie-se buracos imperdoáveis em seu roteiro. Um bom exemplo disso é Efeito Borboleta. Percebam, por exemplo, na cena em que o protagonista precisa provar para um homem na prisão que pode alterar o passado, que ele volta até sua infância para criar uma cicatriz em seu corpo. O plano até funciona, mas tal mudança nunca seria perceptível para o coadjuvante em questão, já que Ashton Kutcher teria as marcas desde antes de conhecer o colega.
Em O Predestinado, os talentosos irmãos Spierig (que assinam roteiro e direção), acertam justamente por não se prenderem à necessidade de explicações mirabolantes, abraçando o absurdo de sua história e encantando não pelo destino, mas pela viagem de sua obra. A história acompanha um personagem sem nome interpretado por Ethan Hawke (que para facilitar minha escrita, chamarei apenas de Agente) que trabalha para uma desconhecida e misteriosa organização semelhante ao FBI.
Entre cenas que por sua montagem sugerem uma desconexão temporal, vemos o Agente recebendo instruções para uma importante missão, enquanto em outro momento, o observamos trabalhando como bartender em Nova Iorque. Após a introdução do arco do Agente, vemos uma narrativa que foge (e muito) do que se espera de uma história de viagem no tempo. No caso, isto é até um elogio, já que a subversão de expectativa existente no segundo ato é essencial para a imersão do espectador na trama.
A trama desenrola-se pelas conversas entre o Agente e Jane (Sarah Snook), personagem que o protagonista serve enquanto trabalha como bartender. Diferente do que se pode esperar de uma narrativa construída por diálogos e flashbacks, como é o caso aqui, vemos um desenvolvimento extremamente dinâmico e tenso. O sucesso do encontro entre o Agente e Jane se dá principalmente à fotografia de Ben Nott, que conduz a aproximação dos personagens de forma paciente e eficiente.
Entre os flashbacks que contam a história de Jane, por exemplo, podemos notar que a todo momento vemos os personagens se aproximando um do outro. Inicialmente, demora até vermos os personagens enquadrados juntos, o que mostra o distanciamento entre eles, situação esta que é desconstruída a partir do momento que tanto Jane quanto o Agente se abrem. A abertura de seus sentimentos, inclusive, é bem representada não só pelos diálogos que desenvolvem o passado dos personagens, mas pelo uso de planos que captam os personagens por trás, em um “ponto cego”, indicando estar expondo suas fragilidades.
A fim de criar a imersão do espectador nos momentos mais calmos, quando apenas acompanhamos Jane comentar sua história no bar, o longa utiliza o zoom para gradualmente nos aproximar da conversa, enquanto de tempos em tempos acompanhamos este diálogo entre os personagens com menor distância entre a câmera e os atores. Conforme nos aproximamos do fim da história, há ainda close-ups e planos detalhe que enriquecem o filme ao nos expor os pequenos traços da atuação de Hawke e Snook, que nos dão as primeiras pistas do desenrolar da narrativa em sua segunda parte.
Nos mencionados flashbacks que desenvolvem a história de Jane, O Predestinado é inteligente ao utilizar uma trilha que dá um suspense à obra, necessário para construir o arco de auto-descobrimento da personagem, que acompanha suas memórias através da narração para Hawke. Em tais flashbacks, a manutenção do mistério acerca da identidade de algumas figuras é necessária para o funcionamento do roteiro, mas pode ser enfraquecida caso o espectador consiga decifrar os segredos do enredo antes de sua explicação.
Também enriquecem O Predestinado a direção de arte e os figurinos, que refletem no ambiente e nas roupas de Jane as diferentes fases de sua vida, desde o medo à autodescoberta e sua insegurança e raiva por traumas do passado. No presente, o uso do cachecol na vestimenta da personagem ainda cria seu elo com o protagonista, que utiliza item semelhante e de mesma cor em seu traje.
Usando o roteiro principalmente para encaixar as peças de seu quebra-cabeças, O Predestinado ainda consegue imprimir medo e tristeza em seu protagonista com um belo uso de uma luz azul que banha seu rosto em um dos momentos mais importantes do filme. O uso da luz colorida ainda cria a crescente sensação de perigo e anuncia a chegada do momento de vingança através do amarelo, que em um dos momentos mais intensos e relevadores do longa, é o tom predominante no ambiente.
O Predestinado conta sua história com enorme domínio técnico da direção, que dá dinamismo aos flashbacks e cenas do presente ao utilizar ambos para construir seus personagens. A excelência na forma de contar sua história é tamanha que o espectador acaba inserido no mesmo papel do bartender, que ouve os lamentos e relatos de Jane. Todas as possíveis sugestões de temas filosóficos e psicanalíticos que poderiam ser trazidos em seu arco final são corretamente dispensados, deixando o público apenas com uma ficção científica com boas doses de suspense e drama.
Infelizmente, há travas no roteiro de O Predestinado que não poderiam ser contornadas, já que é uma adaptação de um conto literário de Robert Heinlein. Tais travas são resultado da necessidade de mostrar com imagens situações que originalmente foram pensadas apenas como texto. Obviamente, tais situações acabam tornando as revelações do filme menos grandiosas, mas não prejudicam o resultado do longa. Os Spierig entregam um filme extremamente intrigante e elegante, tanto por seus temas como pela forma com que estes são inseridos nos personagens.