Doze anos após o ótimo remake de Peter Jackson, eis que chega aos cinemas mais uma adaptação da história do gigantesco gorila da Ilha da Caveira. Diferente da maioria das versões anteriores, porém, aqui não há a trama envolvendo cineastas e atrizes nem a jornada para levar a enorme criatura até Nova Iorque. Em Kong: A Ilha da Caveira, acompanhamos uma expedição financiada pelo governo americano para desvendar os mistérios de um dos últimos locais ainda desconhecidos pela civilização humana.
Então, com exceção de alguns pesquisadores e da fotógrafa Mason Weaver (Brie Larson), acompanhamos uma jornada guiada por personagens militares ou com experiência de guerra, como o caçador (e protagonista) Conrad (Tom Hiddlestone). A diferença dos personagens já se reflete em toda a construção da narrativa. Diferente do que vimos no mais recente King Kong, de 2005, aqui não há aprofundamento psicológico de seus personagens, muito menos da fera que dá título ao longa. Temos um filme de ação, com elementos estéticos de histórias de guerra como Apocalypse Now, mas – infelizmente – sem nenhum traço de seu viés filosófico.
Felizmente, tal falta de profundidade dos personagens não chega a ser um problema (com exceção de Kong, que acaba virando um boneco de CGI), visto que a história, aqui, foi repaginada como uma grande aventura, perdendo a carga dramática de outrora. O diretor Jordan Vogt-Roberts faz uma opção interessante na construção estética de seu filme. Ao mesmo tempo que demonstra pesada inspiração em Apocalypse Now, clássico de guerra de Coppola, o jovem cineasta tenta, pelo dinamismo de suas cenas (extremamente curtas e eficientes na construção da trama) e pelo forte uso de cores primárias, dar um forte tom de “videogame” para A Ilha da Caveira, fortalecendo a aura “blockbuster” do novo Kong.
Quando os personagens chegam na Ilha da Caveira a obra contempla seu melhor momento. Ao mesmo tempo que não tenta esconder a figura de Kong, exibindo-a em belíssimos planos na contraluz, que enaltecem a icônica silhueta da fera, a direção acerta ao sempre mostrar seus feitos de surpresa. O público não verá o monstro arrancando uma palmeira do chão, mas verá esta sendo arremessada ao helicóptero, o que cria um senso de perigo e impotência nos personagens. Além disso, os planos aéreos que retratam Kong passeando pela ilha e os humanos à sua volta ressaltam a imponência da fera.
A fim de mostrar duas visões diferentes dos acontecimentos da ilha, o filme separa seu elenco em dois núcleos. O dos militares, liderador pelo coronel Peckard (Samuel L. Jackson), que tentam se reorganizar para destruir a fera, e o de Conrad, Mason e os pesquisadores, que tentam entender a ilha e achar o caminho para casa. Pelo fato de ambos os núcleos girarem em torno dos encontros dos personagens com Kong, há um certo tom de competição no segundo ato. Por um lado, vemos os mocinhos vendo o monstro de forma mais humana (graças à introdução da tribo que mora na ilha, que funciona para destacar a importância de Kong), enquanto o núcleo dos soldados tenta destruir a fera.
Não só com Kong, mas com todas as criaturas da ilha, o filme opta pela mesma estrutura nos combates: pegando o espectador e os personagens de surpresa, fazendo manutenção do bom clima de perigo constante que paira sobre a narrativa. Nenhum dos confrontos entre humanos e criaturas, porém, empolga. Os planos que enquadram os monstros de baixo são eficientes para criar imponência, mas os confrontos parecem muito casuais, fortalecendo o tom de “videogame” mencionado anteriormente, chegando a criar uma estrutura episódica de “exploração-combate-exploração-desenvolvimento”.
Para ambientar sua trama nos anos 70, o filme faz uso de canções de bandas do período, como Black Sabbath e Creedence Clearwater Revival. Tal ambientação, porém, é desnecessária, visto que a abertura do filme é uma montagem de imagens do período que já nos deixa bem situados na década em que a história se passa. A direção ainda faz mau uso de tais canções, utilizando-as apenas para conduzir as transições entre cenas, auxiliando a montagem. É interessante notar, porém, que em certo momento o filme tenta conduzir o espectador a esperar por uma nova “cavalgada das Valquírias”, mas a chegada de Kong destrói tal expectativa.
O roteiro até levanta questões importantes. Repetidas vezes as personagens femininas são subestimadas e provam seu valor para os masculinos, o que acaba funcionando para fortalecimento das mulheres do filme e para trazer a importante questão de igualdade de gêneros para a obra. Kong: A Ilha da Caveira ainda reserva um espaço para criticar a histórica política de guerra dos Estados Unidos. Piadas como “Washington nunca verá tempos tão conturbados quanto os de agora” até são engraçadas, mas acabam criando a expectativa para uma discussão mais profunda sobre o tema, que infelizmente não ocorre.
Há problemas também na construção dos monstros do filme. Os “lagartos” que antagonizam Kong nada mais são do que uma reciclagem do visual do monstro de Cloverfield, enquanto Kong, mesmo sendo bem feito digitalmente, não traz nenhuma profundidade emocional (e aqui, diferente do caso dos humanos era necessário), como havia no excelente personagem de Andy Serkis no longa de 2005. O único momento que tenta dar alguma sensibilidade ao gorila é a cena em que ele interage com a personagem de Brie Larson, mas diante do belíssimo momento da fera brincando com Naomi Watts no filme de Peter Jackson, chega a ser risível e até dispensável tal tentativa.
Ignorando estes pequenos tropeços (que não chegam a comprometer, mas impedem que o filme saia da curva), há apenas um grande pecado no novo “King Kong”. Percebam como um dos personagens terá seu arco concluído em três momentos diferentes, inseridos separadamente ao longo dos 118 minutos de filme. Tal erro, provavelmente oriundo de algum problema de comunicação durante a montagem do filme, torna algumas partes do filme absurdamente redundantes e desnecessárias. E pior: uma tira a força da outra e, claramente, só uma das inserções era necessária.
Trazendo muito menos sensibilidade e tentando ser uma amálgama de ideias estéticas de diferentes mídias, Kong: A Ilha da Caveira até funciona como uma “aventura de guerra”, mas a falta de personalidade do monstro que dá título ao filme e acaba impedindo qualquer vínculo do público com a fera, o que é essencial para a criação de uma franquia e para o sucesso deste blockbuster. Divertido, irregular e despretensioso, é um bom recomeço para um dos monstros mais cultuados da história do cinema.