Tuor, Gondolin, deuses e guerra

Tuor, Gondolin, deuses e guerra

Gustavo Pereira - 7 de abril de 2017

Guia de publicações da série especial sobre a obra de J.R.R. Tolkien:

  • Parte 1: a respeito da narrativa indireta e a visão tolkieniana do Gênesis (clique no link)
  • Parte 2: os planos originais de Eru Ilúvatar e seus desvios (clique no link)
  • Parte 3: a influência de seu casamento na Balada de Beren e Lúthien e o o simbolismo das Silmarils (clique no link)
  • Parte 4: Túrin e a maldição de Morgoth (clique no link)
  • Parte 5: sobre Tuor, a influência dos Valar e a queda de Gondolin (você está aqui)
  • Parte 6: as restrições a respeito da miscigenação na obra de Tolkien (clique no link)
  • Parte 7: a condescendência de Tolkien com o imperialismo (clique no link)

Húrin teve uma vida de frustrações e um fim trágico. Agora, analisaremos a trajetória de outro membro de sua família.

Parecidos, mas diferentes

Tuor é filho de Huor, sobrinho de Húrin e, consequentemente, primo de Túrin. Seu arco se desenvolve paralelamente ao de Túrin, com sua jornada ao reino de Gondolin e a conversa com o rei Turgon descritas em Contos Inacabados e a consequente Queda de Gondolin presentes no Silmarillion. A história dos primos é semelhante nos temas, mas diferente nas resoluções, como um espelho. Tudo o que se repete, acontece ao contrário.

O destino de Tuor foi definido por Ulmo e não Morgoth. Enquanto Túrin odiava os deuses que, segundo ele, lhe viraram as costas, Tuor seguia sem questionar seus desígnios, mesmo quando não os entendia plenamente. Ele chega aos portões de Gondolin sem a menor ideia do que dizer, mas confiante de que será iluminado pela inspiração no momento adequado. Enquanto Túrin abomina, Tuor tem satisfação em ser um objeto da vontade de forças superiores.

Também não há, por parte de Gondolin, questionamento nenhum a respeito da veracidade do que Tuor diz, pois Ulmo havia avisado a Turgon que alguém como ele chegaria para ajudá-lo e traria instruções que ele deveria seguir para salvar seu povo.

A importância que Ulmo tem para os personagens deste arco fica clara nos dois trechos abaixo citados:

 

– Ergue-te, Tuor, filho de Huor! – disse Ulmo. – Não temas minha ira embora eu muito tenha te chamado sem ser escutado (…).

– Mas qual é minha meta, Senhor? – perguntou Tuor.

– Aquilo que teu coração sempre buscou – respondeu Ulmo -: encontrar Turgon e contemplar a cidade oculta. Pois estás assim armado para seres meu mensageiro, nas próprias armas que outrora decretei para ti.

Contos Inacabados. De Tuor e sua chegada a Gondolin, p. 18

– Agora não é necessária mais nenhuma prova – disse Erthelion por fim -, e mesmo o nome que afirma ter, como filho de Huor, importa menos que a clara verdade de que ele vem do próprio Ulmo.

Idem, p. 48

Ulmo aparece para Tuor. Arte de John Howe

 

O sentido por trás dos sete portões de Gondolin

Chegando ao reino secreto, Tuor teve de passar pela série de portões que garantiam a segurança do reino. E nenhuma escolha foi arbitrária.

  • Sete portões: soma do 3 (triângulo, espírito) com o 4 (quadrado, matéria). É a passagem do conhecido para o desconhecido. Segundo Pitágoras, indica introspecção e reclusão.
  • Portão de madeira: símbolo do yang na cultura oriental e da Cruz no Cristianismo. Tanto um tributo à criação de Arda pelos Valar como um martírio para indignos que tentam atravessá-lo.
  • Portão de pedra: no Cristianismo, pedras marcam a presença de Deus em templos religiosos (pedras de sacrifício, tábuas da Lei, Dez Mandamentos etc.). O que está do outro lado do portão é guardado por ninguém menos que Deus.
  • Portão de bronze: associado a julgamentos na Bíblia (Sansão não se livra dos grilhões de bronze após ter os cabelos cortados). Apenas os merecedores passam pelo portão de bronze.
  • Portão de ferro: na Alquimia, o metal é representado por Marte, o deus romano da guerra. O portão de ferro inspira o controle dos instintos primitivos.
  • Portão de prata: representa Telperion, a árvore prateada de Valinor. O nome da imagem no portão é Belthil, “brilho divino”. A prata marca a sabedoria dos Valar em sua criação.
  • Portão de ouro: representa a outra Árvore, a dourada Laurelin. Glingal significa “chama suspensa”. O ouro é o amor dos Valar para com os filhos de Ilúvatar.
  • Portão de aço: único com a prioridade de abrir. O aço é uma liga metálica (mistura de diferentes que criam um novo) extremamente maleável. Quem chega – inteiro – até aqui, se prova merecedor de entrar em Gondolin. É o portão que leva o visitante, finalmente, ao desconhecido.

Primeiro portão de Gondolin. Arte de alarie-tano (fonte: DeviantArt)

Todo um sistema inexpugnável de proteção que se provou inútil frente à vontade dos deuses. Quando Fëanor cometeu o Fraticídio de Alqualondë, condenou a obra dos noldor ao desaparecimento. Nargothrond já havia caído pelo orgulho de Túrin e Doriath, pela imprudência do rei Thingol. Tivesse menos apego às criações de suas próprias mãos, Turgon saberia que Gondolin não resistiria para sempre. Nada resiste para sempre. E esta decisão que não respeita uma ordem direta de Ulmo (assim como Túrin ignorara sua ordem e condenara Nargothrond) se provou decisiva.

 

(…) Turgon fora dominado pelo orgulho, e Gondolin se tornara bela como uma lembrança da Tirion élfica. E Turgon ainda confiava no segredo de sua localização, bem como em sua força inexpugnável, muito embora um Vala as negasse. Além disso, depois da Nirnaeth Arnoediad, o povo daquela cidade desejara nunca mais se intrometer nas desgraças de elfos e homens de fora nem voltar ao oeste passando por perigos e pavores. Cercados atrás de colinas encantadas e sem trilhas, eles não permitiam a entrada a ninguém, mesmo que estivesse fugindo de Morgoth, perseguido pelo ódio. E as notícias das terras lá fora chegavam a eles sem impacto, distantes e eles não lhes davam grande atenção. Os espiões de Angband procuravam por eles em vão; e sua morada era como um rumor e um segredo que ninguém conseguia desvendar.

O Silmarillion. De Tuor e da queda de Gondolin, p. 306

 

A traição de Maeglin, apesar de anunciada desde a sua concepção, não pode ser considerada como mais do que a forma pela qual a maldição de Mandos se manifestou. O destino de Gondolin há muito já estava definido. O que Turgon perdeu foi a chance de salvar seus súditos.

Quando Eöl foi condenado à morte, amaldiçoou seu filho ao mesmo fim por ter-lhe virado as costas: neste momento, o destino de Gondolin estava selado. Arte de Ladyoftheflower (fonte: DeviantArt)

Mas dessa tragédia nasceu a esperança para os Filhos de Ilúvatar e a chance de um recomeço para Arda. E foi graças a uma Silmaril, responsável por desencaminhar os noldor, que um emissário pôde parlar com os Valar em nome de elfos e homens contra Morgoth. Curta a página do Plano Aberto no Facebook para ser avisado das novas publicações!

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