Better Call Saul 3×02 – Testemunha

Better Call Saul 3×02 – Testemunha

Matheus Fiore - 19 de abril de 2017
O episódio 3×02 – Witness é precedido por 3×01 – Mabel e sucedido por 3×03 – Sunk Costs. Para ler a análise do anterior, clique aqui, para ler a do seguinte, aqui.

Neste segundo capítulo da terceira temporada de Better Call Saul, vemos as consequências diretas dos acontecimentos do anterior. O plano que abre o episódio, por exemplo, já é extremamente significativo. Observe, na colagem abaixo, os dois frames que abrem Witness trazendo um plano detalhe em uma boca de fogão barulhenta enquanto Chuck esquenta água para tomar seu chá. Ao ocupar todo o quadro e ser acompanhada pelo forte ruído da ebulição, a caneca com a água fervendo é uma síntese do estado emocional do protagonista, Jimmy, que ao longo do episódio se descontrola com seu irmão.

Para não dizer que Wexler passa em branco em Witness, a personagem demonstra seu amor por Jimmy na cena em que, nitidamente, ela sabe a verdade sobre um assunto, mas engole e se dispõe a apoiar seu companheiro em nome da relação entre eles. Tal conversa não poderia acontecer em cenário mais preciso: uma sala toda vermelha, exalando o amor que faz Kim fechar os olhos para todos os defeitos e erros de Jimmy e embarcar em seus planos e trapaças. Fora esta cena, porém, Wexler não é tão explorada. Neste episódio há um maior desenvolvimento na rixa entre os irmãos McGill. Chuck mantém seus planos de expor a mentira de seu irmão enquanto trabalha com Howard. Já Mike Ehrmantraut continua tentando descobrir quem estava o seguindo.

Aqui, o roteiro econômico acerta ao, desde o episódio anterior, construir a perspicácia de Mike para desvendar quem é seu perseguidor. A grande sacada é que, ao destacar a sagacidade de Ehrmantraut, a série consegue fortalecer a imagem que tinhamos de que o personagem está sempre um passo a frente de seus inimigos. Aqui, porém, o jogo vira, e descobrimos que, o tempo todo, havia alguém antecipando todos os passos do próprio Mike. O resultado de tal construção é o estabelecimento de um antagonista extremamente competente e perigoso, sem que haja necessidade de mostra-lo fazendo absolutamente nada.

Voltando à relação dos irmãos McGill, Better Call Saul volta a confiar na inteligência de seu público para estabelecer os sentimentos de seus personagens apenas por rimas visuais, sem a necessidade de nenhum diálogo. Na montagem abaixo, à esquerda vemos dois planos de 3×01, onde Chuck ensina Jimmy a enrolar o papel cromado delicadamente, sem estragar o material. Já à direita vemos, no episódio 3×02, Jimmy utilizando a mesma técnica delicada para ajeitar o novo papel de parede de seu escritório.

Tal rima visual tem duas funções claras: a primeira é a mais superficial e urgente: expor o momento em que Jimmy se lembra de Chuck e entra em ebulição (e aí entra a importância dos planos que abrem o capítulo), largando o escritório e indo tirar satisfação com seu irmão por ter gravado suas conversas. A segunda é o começo de um brilhante trabalho a longo prazo de Vince Gilligan para construir Saul Goodman. Talvez este seja o estopim para o momento “breaking bad” do protagonista. Mais do que se lembrar do que aconteceu, o personagem percebe que está seguindo o legado de seu irmão, pessoa que despreza completamente por sua visão extremamente pragmática, egoísta e desumana. Estaria, então, a série nos dando os primeiros sinais de que Jimmy começa a desistir de trabalhar com direito pelas vias “comuns”?

A cena é extremamente sutil, mas muito simbólica. É a primeira vez que Jimmy vê seu irmão em sua própria pessoa e, revoltado, o rejeita. Nos planos abaixo, o momento em que o protagonista percebe o que está acontecendo e, revoltado, rasga o papel e sai de forma agressiva em busca de Chuck.

Mais próximo ao fim do capítulo, quando Jimmy finalmente chega à casa de seu irmão para tirar satisfação, a atuação explosiva de Bob Odenkirk é essencial para impor ao público a revolta de seu personagem. Mas aqui, se olharmos atentamente, veremos que o grande diferencial é o enquadramento irregular, gerado por uma câmera na mão em constante movimento, que expõe não só a violência implícita nas palavras de Jimmy como é um retrato de seu momento de explosão. A falta de iluminação da casa de Chuck aqui dá uma ambientação digna de um calabouço para a cena, tornando ainda mais sombrio o embate entre os McGill. Curiosamente, o protagonista veste preto na cena, o que podemos interpretar até como o luto, pois o momento, provavelmente, marca a morte de qualquer cordialidade e amor entre ele e Chuck.

Demorou, mas, aparentemente, chegou. Depois de duas temporadas, começamos a ver mais do que indícios, mas a transformação mental (e visual, tanto na postura quanto nas vestimentas) de Jimmy, que está emocionalmente pronto para a disrupção total com seu atual estilo de vida e com as pessoas de seu círculo social. Better Call Saul, aos poucos, se mostra muito mais do que um spin-off de Breaking Bad. A série é, já no momento, uma história de subversão e revolta tão rica quanto a de Walter White. Aos poucos as peças se encaixam e compreendemos todos os elementos que levaram Jimmy McGill a se tornar o trapaceiro Saul Goodman.

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