O episódio de Better Call Saul 3×04 – Sabrosito é precedido por 3×03 – Sunk Costs e sucedido por 3×05 – Sacanagem. Para ler a análise do anterior, clique aqui. Para ler a do seguinte, aqui.
Cada vez mais, Better Call Saul se firma como uma série não apenas sobre Saul Goodman, mas sim um programa sobre todo o elenco coadjuvante de Breaking Bad. Se na primeira temporada já havia um enorme tempo de tela dedicado à Mike Ehrmantraut e na segunda conhecemos Hector Salamanca, na terceira vemos mais sobre o passado do infame “tio”, além de Gus Fring, o icônico distribuidor e dono da franquia Los Pollos Hermanos.
Começamos o episódio com um flashback que aprofunda a relação de Hector e Gus. Ambos na casa de Eladio, chefe do cartel mexicano já visto em Breaking Bad que comanda as operações na fronteira com os Estados Unidos. Por já sabermos como termina a relação em Breaking Bad, ver a origem da rivalidade entre esses personagens é satisfatório. Na cena, temos como Gus começou a impressionar Don Eladio com seu império e passou a, aos poucos, roubar espaço de Salamanca e seu negócio.
Veja no plano acima, tirado do fim da cena com Hector, El Ladio e Gus Fring. Após ver seu trabalho menosprezado por El Ladio e o mesmo impressionado com a ascensão de Fring, Hector mostra seu descontentamento e fica pensativo na beira da piscina. Filmado no contra-plongée, plano comum para estabelecer grandeza, o personagem tem sua imagem deformada pela água. A distorção de sua figura retrata seu império balançando, com futuro incerto diante do crescimento do rival.
Ainda na construção da rivalidade entre Gus Fring e Hector Salamanca, há a ótima cena onde Hector entra em uma loja da franquia Los Pollos Hermanos procurando Gus. Quando informado sobre o que acontece em seu negócio, perceba como Gus se sente fragilizado. O personagem estava, no momento, em uma unidade de bombeiros conversando com os profissionais. Tal cena traz dois planos interessantíssimos.
Este primeiro, como dito acima, mostra a fragilidade do personagem. Além de estar entre dois elementos que ocupam muito espaço no quadro, criando uma sensação de aperto, o personagem é filmado de cima para baixo, o que o torna ainda menor.
Já ao desligar o telefone, vemos um plano geral do ambiente com a silhueta de Gus bem escondida no meio do quadro. Esse enquadramento fortalece o perfil de Fring, que sempre se adapta aos diferentes cenários, fazendo alianças que impedem seus parceiros e amigos de suspeitarem de seu caráter. Além de retratar o empresário bem pequeno, destacando ainda mais sua sensação de exposição, o plano serve para estabelecer sua perspicácia ao se aproximar de todas as autoridades que um dia poderiam vir a investiga-lo ou prejudica-lo profissionalmente.
Outro personagem que tem seu arco esticado é Mike Ehrmantraut. Em uma cena que, de longe, observa uma ação da polícia, vemos Mike receber uma ligação da viúva de seu falecido filho. Aqui, a direção faz algo que era comum em Breaking Bad e que já analisei neste artigo. Quando em contato com um elemento externo à cena, Mike se vê excluído do ambiente onde está pela profundidade de campo. Na colagem abaixo, vemos dois frames da cena em que o rosto de Mike é a única parte focada do plano, com tanto o carro quanto o cenário sem nenhum foco, estabelecendo sua desconexão mental. Além do foco, o uso dos espelhos retrovisores para mostrar apenas uma pequena parte do rosto do personagem também estabelecem seu desconforto. Apesar de estar trabalhando pelo dinheiro, notamos que a única vontade do personagem é descansar e aproveitar sua família.
Já quando encontra sua família, Mike volta a ter conforto. Com todo o ambiente focado, ele tem seu corpo inteiro retratado, posicionado próximo ao centro do quadro e perto da pessoa que mais ama, sua neta. Mesmo não trazendo grandes adições no roteiro, estas duas cenas são imprescindíveis para enriquecer as motivações de Ehrmantraut. O personagem há muito não se importa com dinheiro, tudo que faz é para promover o conforto do que sobrou de sua família. Essa motivação, inclusive, é ainda reforçada na cena em que ele reencontra Gustavo Fring e rejeita seu dinheiro, mesmo que demonstre interesse por um possível trabalho.
O episódio só explora um pouco do entrave de Jimmy, seu protagonista, nas cenas finais do episódio. O foco, portanto, é na rivalidade Fring-Salamanca, que tende a ser um dos pontos altos da temporada. Assim como na semana anterior, a série não “reinventa a roda”, mas consegue mais uma vez expandir seus horizontes e criar mais uma infinidade de possibilidades para seus personagens e arcos. Enquanto vemos a humanização de Mike, vemos o crescimento do ódio latente nos personagens presos ao cartel mexicano. Mais uma vez, Better Call Saul não dá o xeque-mate, mas movimenta muito bem suas peças através de uma aula de direção e roteiro.