Após um curto intervalo (a Netflix pausou a série por uma semana para o lançamento de House Of Cards), Better Call Saul volta com um episódio que mantém o ritmo lento mas que, ao observarmos a série como um todo, funciona (e muito) no desenvolvimento de seu personagem. Desde o primeiro episódio da temporada, Mabel, vemos Jimmy McGill ser colocado contra a parede. Primeiramente, a fita gravada por seu irmão, Chuck, comprovava sua culpa no caso de falsificação de documentos. Desde então, o protagonista vem enfrentando uma série de adversidades que culminaram com a cassação de sua licença para advogar pelo período de 12 meses.
Onde entra Escorregada nisso, então?
Até aqui, vimos Jimmy esgotar seus recursos para agir dentro da lei. Vimos também o desgaste emocional trazido pelas brigas com seu irmão, com a justiça, e com pessoas do dia-a-dia, como o supervisor do trabalho comunitário. Nos dois últimos episódios, vimos o surgimento da persona Saul Goodman e suas primeiras ações, como se fosse uma criação do inconsciente do personagem. Se Saul já existia, faltava então Jimmy sucumbir definitivamente para abrir espaço para seu alter ego, que é o que começamos a ver em Escorregada.
Após fracassar em nova tentativa de fechar negócio com os donos da loja de instrumentos, Jimmy (ou já Saul?) forja um acidente para “subornar” os empresários. O problema é que o protagonista realmente machuca suas costas na queda, e passa boa parte do episódio deitado no chão. A dor acaba se tornando um fantástico recurso narrativo, que faz com que o personagem sempre pareça preso ao piso, incapaz de se levantar e sem forças. É como se Jimmy McGill estivesse em seus momentos finais, aguardando a morte, para o corpo então voltar como Saul Goodman.
E quando no chão, Jimmy sente a liberdade de agir como Saul e fazer o que faz melhor: ganhar dinheiro. Quando no piso da loja de instrumentos, o personagem arranca uma guitarra e um punhado de dólares dos irmãos empresários em troca de não entrar na justiça pelos danos ao seu corpo. Quando no chão embaixo da ponte, em troca do dinheiro de seu colega de “confinamento” o livra do serviço comunitário. Não podendo exercer o direito corretamente, Saul sobrevive utilizando seus conhecimentos teóricos aliados à malandragem para aplicar “pequenos golpes”.
A direção é inteligente ao nos empurrar para o ponto de vista do protagonista. Se no episódio Saul/Jimmy está constantemente preso ao chão, o ponto de vista do espectador acompanha tal fato e vê algumas passagens do capítulo sob um ponto de vista inferior, em alguns momentos, assim como Saul, rente ao chão, como vemos no frame abaixo. A transição de um ponto de vista superior para um inferior é feita em um seco corte que simboliza até a inversão de situação que ocorre na vida do personagem principal.
Em Escorregada há ainda espaço para mostrar Nacho executando seu plano para eliminar Don Hector. A série trabalha a simplicidade para construir tensão, aliando uma trilha densa com planos detalhe que, graças à boa edição de som, tornam a situação bem exposta para o espectador, que vê e ouve cada milimetro da ação do personagem. No momento chave, quando Nacho troca os remédios de Salamanca por seu “veneno”, há ainda o uso do slow motion para potencializar a tensão da cena. Tudo isso acompanhado por um uma união da direção de arte e da fotografia para destacar os tons vermelhos, cor que imprime perigo à cena.
Escorregada representa um passo importante, mesmo que discreto, na grande transição que ocorrerá na vida dos principais personagens da série. Enquanto o protagonista, Jimmy, já tem o terreno pronto para emergir como Saul Goodman, Nacho e Mike, os principais coadjuvantes, começam a desenhar seus destinos. O mexicano se prepara para romper com Don Hector, um dos principais vilões da série, o ex-policial finalmente se afilia a Gustavo Fring, o grande distribuidor de metanfetamina de Breaking Bad. A questão é: vimos Mike trabalhando para Gus em “BrBa”, mas não vimos Nacho Varga. O que será que os roteiristas guardam para o futuro do personagem?