Plano Aberto

Black Mirror – 4ª temporada

O quarto ano de Black Mirror é o primeiro lançado sob a sombra da expectativa. Nas duas primeiras, a série não era distribuída comercialmente no Brasil, portanto, era assistida por alguns (eu incluso) apenas por meios, digamos, “alternativos”. Já a terceira, feita quando a Netflix comprou os direitos, chegou causando alarde. Os textos sobre a terceira temporada são, até hoje, alguns dos mais acessados do Plano Aberto, inclusive. A quarta temporada, é, então, desde seu anúncio, um dos lançamentos mais aguardados do catálogo da Netflix em 2017. Charlie Brooker, o criador, escolheu escrever episódios mais seguros, e o resultado é uma temporada boa, mas que não traz grandes novidades.

Aqui, Brooker faz com que seu roteiro valorize a mitologia da série. Diferente das três temporadas anteriores, que trouxeram inúmeras tecnologias novas, o quarto ano de Black Mirror aposta em tecnologias adaptadas da realidade (como os cães robôs de Metalhead, que são inspirados nos da Boston Dynamics), e no resgate de outras já apresentadas anteriormente no programa, com direito a um museu dedicado à elas. Com isso, não há tanta novidade, mas há o fortalecimento daquele universo.

E se falamos em universo, precisamos falar da contextualização das tramas. Essa temporada confirmou teorias antigas dos fãs, que antes eram baseadas apenas em easter eggs – uma referência aqui e outra ali nutriam a possibilidade de todos os episódios se passarem num mesmo universo. Agora, é certo que pelo menos alguns episódios são ambientados em um mesmo mundo e, provavelmente, durante a mesma época. O episódio Crocodile, por exemplo, deixa claro que Fifteen Million Merits, da segunda temporada, compartilha aquele universo, ao mencionar diretamente jurados do programa Hot Shot e tocar uma das canções daquele capítulo. Com isso, uma possível quinta temporada teria a oportunidade de trabalhar não só as tramas isoladas, como a contextualização de alguns daqueles mundos bizarros.

Black Mirror sempre foi uma série sobre a humanidade, e esse é mais um elemento que o quarto ano faz questão de trabalhar de forma direta. Os plot twists já não são mais tão impactantes, pois, em sua quarta temporada, a série de Charlie Brooker se volta aos temas centrais da série. USS Callister fala sobre a o moralismo e a podridão ocultos por um véu de timidez, Arkangel fala sobre os problemas de uma relação familiar controladora e invasiva, Crocodile fala sobre a culpa e a degradação moral num efeito bola de neve, e por aí vai. É uma temporada que, mais do que qualquer anterior, trata a tecnologia apenas como um elemento complementar, e não como o foco da série. Não deixa de ser decepcionante, porém, temas tão relevantes na atualidade como a questão dos imigrantes sírios e a política americana, serem completamente ignorados.

Há também uma certa ironia nos episódios – que já era presente, mas aqui explora novos caminhos. Hang The Dj, por exemplo, apresenta uma bela história de amor que, no fim da trama, é subvertida e transformada em mais uma crítica a dependência humana de aplicativos e tecnologias para gerenciar sua vida. Já Metalhead é irônico em toda sua concepção, se considerarmos a possibilidade de aquele universo ser uma projeção futurista de o que poderia acontecer caso a humanidade construa máquinas de destruição em massa como são os “cães-robô” ali apresentados, mas é também um episódio interessado em discutir a gradual desvalorização da vida humana em prol do ode aos “produtos”.

Tecnicamente, essa foi uma temporada bem conservadora. Mesmo nos episódios que se destacam pelo uso de luzes e cores para criar diferentes nuances narrativas, há um foco demasiado no roteiro, o que empobrece a linguagem de Black Mirror. Por outro lado é uma temporada que, mesmo com seus altos e baixos, sintetiza muito bem a intenção de Charlie Brooker, que é apresentar o lado sombrio da humanidade contemporânea. As ferramentas tecnológicas sempre foram apenas um meio para um fim, e se individualmente nem todos episódios dizem isso, analisando como um todo, fica bem claro que a antologia serve a um propósito comum.

Afinal, o que é mais sombrio que um museu de “itens Black Mirror” que foram feitos como “escada” para a escravização e tortura de terceiros, como ocorre em Black MuseumBlack Mirror não é sobre tecnologia, é sobre a Humanidade.

Leia as críticas de todos os episódios da quarta temporada clicando nos links abaixo:

6×01 – USS Callister

6×02 – Arkangel

6×03 – Crocodile

6×04 – Hang The DJ

6×05 – Metalhead

6×06 – Black Museum

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