Plano Aberto

Chacrinha: O Velho Guerreiro

O apresentador e animador Chacrinha protagonizou um dos mais marcantes programas da história da televisão brasileira. O personagem criado pelo pernambucano Abelardo Barbosa fez sucesso em várias estações de rádio e canais de televisão por incríveis trinta anos. Portanto, contar a história de Chacrinha é contar também um pouco da história do Brasil, já que o programa atravessou do período democrático à ditadura militar implementada em 1964. Infelizmente, poréma obra de Andrucha Waddington renega qualquer contextualização histórica e dedica-se exclusivamente ao personagem dos palcos.

“Chacrinha: O Velho Guerreiro” é uma viagem pela trajetória apresentador. Da sua chegada ao Rio de Janeiro, onde começou como locutor de rádio noturna de Niterói, à segunda passagem pela Rede Globo pra seus últimos anos de vida, a obra cobre praticamente todo esse período sem dar maior destaque a nenhum momento específico. Momentos importantes são comprimidos, e elementos definidores do caráter do personagem, como sua relação problemática com a mãe, são negligenciados.

A forma como o filme passeia pela trajetória do protagonista talvez seja primeiro grande problema de “O Velho Guerreiro”. Por haver uma vontade dos realizadores de comentar toda a vida de Chacrinha, a obra parece não ter um norte. Os eventos da vida do locutor e apresentador ocorrem de maneira apressada e superficial: se em uma cena ele conhece a esposa, cinco minutos depois já tem seu terceiro filho com ela sem que possamos conhecer o mínimo sobre os personagens.

A escolha do roteiro de Cláudio Paiva, Carla Faour e Júlia Spadeccini e da direção de Andrucha Waddington resulta em um filme distante de qualquer desenvolvimento para seus personagens. Todos parecem ser apenas adereço de uma trama autossuficiente. Ao nunca parar seus saltos temporais para dedicar algum tempo às personalidades apresentadas, “O Velho Guerreiro” faz com que conheçamos muito de Chacrinha e pouco de Abelardo.

Em vez de explorar a humanidade do protagonista e de seus coadjuvantes, “O Velho Guerreiro” dedica-se exclusivamente ao humor proveniente das memoráveis tiradas do apresentador. Por boa parte do filme, funciona. O humor é suave e eficiente, mesmo que sempre se limite às tiradinhas. Em sua segunda metade, porém, “O Velho Guerreiro” passa a apostar no drama e trazer os reflexos do estilo de vida de seu protagonista como fantasmas que o assombram.

Quando decide ser dramático, já é tarde demais. Por passar sua maior parte dedicando-se apenas às piadas e à reconstrução da trajetória do apresentador, “O Velho Guerreiro” despreza as relações de seus personagens, seus erros e acertos que os definem como pessoas; “O Velho Guerreiro” renega o drama até que, em seu ato final, percebe que precisa dele para ter qualquer alternância de tom na narrativa. 

O resultado de “O Velho Guerreiro” é um samba de uma nota só. É um filme que, mesmo muito bem municiado pelo arsenal de piadas de seu protagonista e pela entrega de seu elenco, nunca consegue fugir de um humor simples e direto. Não há drama com as dificuldades de Abelardo, não há romance em sua relação com esposa e amante, não há nem mesmo tensão quando sua saúde parece estar por um fio. Se a obra assumisse seu potencial burlesco, talvez funcionasse, mas há, pelos rumos escolhidos pelo roteiro, uma clara intenção de transformar a obra em um drama. A já mencionada subtrama do protagonista lidando com a figura materna problemática, por exemplo, pipoca aqui e ali algumas vezes, mas nunca recebe mais do que uma ou duas trocas de diálogo que pouco dizem e nada desenvolvem.

Ao manter a câmera próxima demais de Chacrinha, Waddington se esquece do Abelardo que havia por trás da fantasia. A obra explora em abundância uma personalidade que todos já conhecem, mas despreza os elementos que fazem do protagonista um ser humano. Temos, portanto, um filme divertido, mas que só pensa em sua própria humanidade quando já não há mais tempo para desenvolver seus personagens. A tragédia de “Chacrinha: O Velho Guerreiro” é o fato de podermos perceber o momento exato em que o filme passa a se preocupar com seu drama, e esse momento está encaixado na porta de entrada do ato final, quando já é tarde demais e o humor não mais sustenta a narrativa.


Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Plano Aberto do Festival do Rio de 2018. Para conferir toda a nossa cobertura, clique aqui.

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