O limite entre a vida e a morte é talvez o maior medo por parte da humanidade. Sem saber quando ela virá, e nem como, ecoamos nossa existência sempre da perspectiva de compreender por que um dia iremos morrer, refletindo sempre através da perda de diversas pessoas a nossa volta ao longo dos anos. O cineasta que melhor soube trabalhar isso foi Ingmar Bergman, ecoando esse medo sob uma perspectiva histórica. Nos quadrinhos, quem talvez mais explorou isso, porém sob um ponto de vista social, foi Will Eisner. Trazendo ao presente, a arte ainda busca trazer sentido para essa questão. E, no mundo das HQs, o francês Christophe Chabouté é um dos autores que mais tenta entender o fatalismo da existência.
Em suas obras lançadas, esse é um tema recorrente advindo por formas diferentes. No Brasil, quatro delas já saíram: “Moby Dick” (adaptação do clássico livro de Herman Melville), “Um Pedaço de Madeira e Aço”, “Solitário” e, mais recentemente, “Henri Désiré Landru”.
A morte parece ser o sentido mais recorrente ao autor. Chabouté olha sempre de uma perspectiva existencialista, quase realmente absorvida do pensamento de Jean-Paul Sartre. Observando seu primeiro trabalho que apareceu pelo país, já se pode olhar para esses elementos dentro da própria figura narrativa de “Moby Dick”. A ideia de um ser gigantesco, que pode simplesmente acabar com sua vida, já é algo, por si só, amedrontador. Porém, o curioso é como o quadrinista coloca toda a perspectiva da obra de Melville em traços e quadros, dando uma dimensão frequente do mar. O início, com silhuetas de um homem e uma gaivota em planos bastante abertos, causa uma sensação de um vazio, algo que ecoa mais a frente de forma plena. Por que ir atrás da baleia? O que move realmente a humanidade para chegar até nesse ponto? É interessante como todo o grande clímax e o fim da HQ reverberam essas frases, sem realmente ter respostas prontas.
Nós queremos desafios, mas sem entender bem o porquê deles, como se fosse uma busca por uma escapatória da morte. Ela ronda nossa civilização desde sempre, mas, se estamos fugindo dela a todo tempo, por qual motivo a enfrentamos tão vividamente sempre? Esse questionamento se apresenta bem claros em três obras: “Solitário”, “Henri Désiré Landru” e “Zoé”.
Chabouté idealiza os quadrinhos sempre de uma perspectiva do medo. O primeiro citado na relação de uma curiosidade sobre quem seria o homem que está no topo de um farol; o segundo e o terceiro, em uma correlação com seriais killers. O pavor, diferente de filmes de terror, por exemplo, é feito em uma abordagem nesses trabalhados mais entrelaçada com realmente a ideia de morrer. Até qual ponto poderia valer uma verdadeira existência sob a face de ser ignorado por tantos? Ao mesmo tempo que se não controlamos nossas vidas, realmente vivemos? O existencialismo aqui encontra-se presente nessa fatalidade da sociedade. Somos tantos, mas como podemos ser tão únicos nisso tudo e ainda necessitarmos de um código de conduta consolidado socialmente (costumes, valores e mais).
Aliás, é curioso como o tema de assassinos seriais e matanças, que flertam com o horror mais diretamente, sejam uma catapulta do francês para compreender a condição de viver. Como em “Henri Désiré Landru”, que vemos os protagonistas – o maior serial killer da França – ser simplesmente comandado por um outro homem. Obviamente há uma carga confusa de realidade e mentira, todavia com a intenção de criar uma tensão da própria fatalidade. Parece não haver escapatória em seu universo para personagens viverem ou morrerem: eles sempre estão fadados a existência.
Em “Zoé”, se atrela a discussão desse texto ao caminho do preconceito. O autor cria um limiar de dois caminhos, o que transforma quase em uma teoria filosófica. O primeiro seria o lado de uma concepção social, a qual se julgam pessoas e buscam sua morte por quem esse outro é; no segundo, seria como esse macro encontra-se no micro, especialmente em como cada indivíduo vai lidar com esses pontos. O sociólogo Emile Durkheim, por exemplo, dizia que era um fato social isso, ao ponto que nascemos e já temos embutidas determinadas características que foram consolidadas ao longo do tempo pelas sociedades. No caso da HQ, isso se apresenta também em quem os personagens poderiam realmente ser um dia, mas no que se tornaram.
Relacionando com essa obra, “Pleine Lune” também traz um debate sobre os mesmos preconceitos. O protagonista é um homem contra imigrantes, mas que acaba sendo confundido com um. Se a existência do outro não é reconhecida, até qual ponto esse personagem também não é um ninguém, ao fim das contas.
A profunda conexão das duas está atrelada a entender como essa fatalidade por parte do autor também se encontra no âmago do debate social, como feito por Will Eisner ao longo de seus quadrinhos.
Essa profunda aceitação sobre existir, acaba sendo quase perpassada por todos ao longo da vida. A arte é uma espécie de lembrança sobre quem somos e sobre qual motivo estamos aqui. Nossa existência, permeada de um medo profundo que um dia iremos morrer, está onipresente na obra de Christophe Chabouté. Sob uma perspectiva bastante pessimista de quem somos, o autor francês encaminha seu pensamento para compreender como seus personagens vão lidar com situações de viverem fora da vida, no limiar da morte. O questionamento que fica, ao fim, é que: por qual razão, apesar nosso pavor de não viver mais, nos tentamos a sempre olhar para a morte? O eco através dos tempos dessa discussão parece que nunca vai se acabar.