Plano Aberto

Better Call Saul – 2ª temporada

A Netflix criou a tradição de, ao lançar suas séries, disponibilizar toda a temporada simultaneamente. Curiosamente, isso não acontece com Better Call Saul. Mesmo que a opção não seja exclusividade do Spin Off de Breaking Bad, há de se enaltecer a escolha. Assim como a primeira temporada, a segunda é uma verdadeira obra de arte, com trabalhos impecáveis principalmente de direção e fotografia, e cada episódio requer reflexão e apreciação dos mínimos detalhes antes de embarcarmos no próximo.

Esta nova temporada começa onde a anterior parou: Jimmy colhe os frutos de seu trabalho no caso Sandpiper, ganhando o respeito de Kim e Howard e recebendo ofertas de emprego. O único que ainda não aceita o sucesso de Jimmy é seu irmão mais velho, Chuck. Este, aliás, está cada vez mais irritado com a presença e sucesso de seu irmão, e chega a se sentir  imprensado por ele, situação que é bem construída ao enquadra-lo em espaços apertados quando este recebe alguma notícia sobre o sucesso do irmão caçula.

Chuck, sendo comprimido enquanto seu irmão ascende.

Já nos primeiros momentos do primeiro episódio, vemos que Jimmy não almeja um emprego formal, com compromissos, chefes e formalidades. E mesmo quando consegue um, o personagem não se sente confortável. Desde a primeira temporada a direção, fotografia e direção de arte escolheram o amarelo como cor do protagonista. A cor do ouro – provavelmente simbolizando sucesso e o dinheiro que ele deseja – está estampada até em seu carro. É curioso notar como a sala do novo escritório é amarela, mas num tom desbotado, sem vida. McGill tem a oportunidade de conseguir tudo o que quer, mas não do seu jeito. Isto fica bem ratificado quando ele encontra no seu escritório um interruptor dizendo “não mexa”, e, ao mexer, ver que este não funciona. Ele não possui nenhum controle sobre a vida que está levando.

Outro momento onde o trabalho das cores ganha destaque é quando o futuro Saul Goodman ganha uma garrafa térmica amarela. O objeto se encaixa perfeitamente no carro amarelo, que acompanha o personagem em todos os seus momentos de trapaças e golpes. Mas, quando este ganha um novo carro de sua empresa, a garrafa não cabe no suporte para copos. Jimmy não se identifica com esse carro, ele o tem por uma convenção social. Nesta mesma cena o advogado se despede não só do veículo antigo, como do salão de beleza onde tinha seu escritório. Curiosamente, a dona do lugar que abrigava o escritório do protagonista vestia amarelo. Este episódio marca a despedida de uma fase e o início de uma nova para McGill.

Na imagem abaixo, em um dos planos mais bonitos da temporada, Jimmy volta ao antigo “lar” e deita confortavelmente no escritório do salão de beleza sob luz amarela. O personagem busca refúgio da nova vida em seu antigo local de trabalho, onde, graças ao excelente trabalho de fotografia e direção, o espectador sente o protagonista em casa, confortável.

Outra novidade bem-vinda nesta temporada é o aprofundamento de personagens secundários. Mike, Chuck e Nacho ganham mais camadas e estão bem mais interessantes do que no ano anterior. Aqui vemos Chuck não só lutar contra sua fobia, como entendemos de onde vem a mágoa que sente de seu irmão. Nacho é importantíssimo no desenvolvimento de Mike, e é o responsável por trazer mais personagens clássicos de Breaking Bad para a série. Esta subtrama envolvendo os dois e o cartel, inclusive, possui muito potencial para ser até mais interessante do que a principal da série, e ganha mais tempo de tela a cada episódio.

Além destes, Kim Wexler (bem interpretada pela ótima Rhea Seehorn) é bem explorada pelo roteiro. Seu melhor momento é quando entra em conflito com seu escritório e tenta recuperar o prestígio. Howard, por outro lado, deixa de ser uma pedra apenas no sapato de Jimmy, e começa a também frustrar os planos de Kim.

Após receber uma “rasteira” de Howard, Kim se vê pequena e impotente, genialmente posicionada abaixo da enorme bandeira de H, H & M.

Kim, aliás, está muito mais próxima de Jimmy. Agora parceiros de pequenos golpes, a dinâmica dos dois está verossímil, e o advogado ganha total apoio e respeito de sua amiga. Inclusive, mesmo quando ela tem certeza de que ele está sendo acusado de crimes que cometeu, o defende. Cada vez mais bem construída, a relação dos dois atiça cada vez mais a curiosidade quanto ao que acontecerá quando Jimmy se tornar Saul.

Na segunda metade da temporada Jimmy McGill começa a se comportar cada vez mais como Saul Goodman. Desde as trapaças aos ternos coloridos, o advogado não se encaixa no mundo organizado de seu escritório e extravasa, sempre desafiando seus superiores e agindo nos limites da lei. Duas cenas desenvolvem bem a criação de Saul: uma em que o mesmo sai de controle e se veste e comporta aleatoriamente, e outra quando o protagonista força a presença de um item do seu passado na sua vida atual. Jimy não consegue negar seu caráter, e vai agir do seu jeito, por bem ou por mal.

Todo o caráter do principal é bem cimentado, especialmente no flashback que mostra sua relação com seu pai na infância, quando ambos trabalhavam numa loja de conveniências e eram trapaceados por toda a cidade. A cena que abre o último episódio da temporada é muito simbólica e explicativa para entender a relação dos irmãos McGill.

Infelizmente, na reta final da temporada, Better Call Saul acaba decepcionando principalmente no roteiro, que recorre à dois cliff hangers para prender o espectador. O primeiro é até bem feito, e é o momento mais dramático da série até aqui, trazendo um enorme dilema moral para Jimmy McGill. O segundo acaba comprometendo a conclusão da temporada por ser previsível e simples.

Better Call Saul ainda não nos trouxe o Saul Goodman de Breaking Bad, tampouco tornou a trama tão envolvente quanto a da série de Walter White, mas desenvolveu competentemente seus personagens, a história e abriu muitas possibilidades para a terceira temporada. Novamente fazendo bom uso da linguagem cinematográfica, a série se destaca das demais ao saber construir climas e sentimentos sem precisar recorrer à paupérrimas técnicas de roteiro. Assim como um bom filme, Better Call Saul te faz entender com emoções, imagens e cores, e não com diálogos supérfluos e mecânicos.

 

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