Plano Aberto

Black Mirror 3×03 – Cala a Boca e Dança

No terceiro episódio dessa temporada, acompanhamos Kenny, um típico bom rapaz quieto, educado e que sofre bullying dos colegas de trabalho. Ao chegar em casa, notou que sua irmã mexia em seu laptop e, acidentalmente, o infectou com um vírus.

Sem perceber, Kenny dá acesso  à sua câmera e, certo dia, é flagrado assistindo pornografia em seu quarto. A partir de então, é chantageado por pessoas misteriosas através de e-mails e mensagens de texto no celular a cumprir suas ordens se não quiser seu vídeo vazado.

Conforme cumpre seus objetivos, Kenny eventualmente interage com outras pessoas que também estão à mercê dos misteriosos “terroristas”. A boa sacada do episódio, até aqui, é colocar o espectador na pele das vítimas dos vazamentos de fotos e vídeos íntimos, que torturam psicologicamente e levam pessoas ao suicídio por causa da pressão social. Mas, fugindo do óbvio, com exceção da mulher que abre o episódio, todas as vítimas são homens, algo bem incomum na vida real.

Em momentos que lembram filmes como Clube da Luta e Uma Outra História Americana, o episódio Cala a Boca e Dança aborda a coerção interna e externa de forma magistral e mostra o quão baixo alguém pode ir para salvar a si mesmo de uma situação humilhante. A  cena de Kenny e Hector discutindo no carro é um perfeito exemplo dessa pressão psicológica e é também o estopim para o desmoronamento mental de um dos personagens.

Um elemento importantíssimo aqui é o uso do som para dar intensidade às cenas dramáticas que são pouco ocupadas de trilha musical. Muitas vezes o drama é conduzido apenas pelo barulho de teclas no celular e notificações de mensagens de texto. Além disso, até o som de drones, como na cena da floresta, é capaz de ocupar perfeitamente o espaço da trilha sonora de forma diegética e crua.

Na reta final do episódio, há uma inesperada e bem orquestrada subversão de expectativa, gerando um conflito moral e ético que apenas Black Mirror é capaz de proporcionar. Todos os temas abordados anteriores  continuam válidos, mas seus exemplos são virados de ponta-cabeça e criam uma narrativa completamente  nova.

Sabendo as motivações de cada peça do jogo, é possível entender a atitude de cada jogador, mas também é quase impossível não sentir empatia por alguns personagens. Mesmo culpados, todos são humanos. Devem pagar por seus erros, claro, mas qual o preço? Quem deve julga-los?

Uma das grandes qualidades do capítulo é não dar um rosto à figura dos terroristas e revelar suas intenções apenas através diálogos entre suas vítimas. No final, estes acabam não sendo vilões, mas apenas ferramentas para fomentar um necessário debate sobre privacidade, inocência, culpa e moralidade.

A conclusão, seca e cruel, não deixa de trazer algum grau de justiça devido aos fatos apresentados. O questionamento apresentado, porém, assim como em um episódio anterior da série, é de extremo valor e um dos mais importantes e polêmicos já trazidos por Black Mirror. Talvez o único  defeito do episódio seja esquecer os importantes temas trazidos na primeira metade, que acabam sendo diminuídos pelas viradas  da segunda parte do episódio.

A cena final, que através da montagem entrelaça as histórias apresentadas e as decora com Exit Music (For A Film), do Radiohead, é um verdadeiro soco no estômago, e nos lembra, mais uma vez, que não há final feliz. Mas o final triste não é exclusivo de Black Mirror, apenas coerente reflexo do nosso mundo que é bem retratado na série.

 

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