Plano Aberto

Black Mirror 3×05 – Engenharia Reversa

Esse quinto episódio da nova temporada de Black Mirror talvez traga a metáfora mais interessante da série até aqui, a da lavagem cerebral feita pelo governo dos Estados Unidos em seus soldados para manutenção de militares engajados numa guerra sem sentido, além de claras referências à questão dos imigrantes sírios.

Durante o começo do capítulo, descobrimos que há uma guerra contra as “baratas”, um grupo de pessoas com problemas genéticos que devem ser exterminadas para evitar que a doença se espalhe. Em sua primeira missão, Stripe, o protagonista, tem êxito em eliminar algumas “baratas”, mas é atacado por uma que usa um pequeno mecanismo que emite uma luz verde.

Todos os militares aqui possuem um chip implantado em suas cabeças, que facilita a comunicação e traz auxílio tecnológico para o combate.  A partir do contato, Stripe passa a ter problemas com seu chip e, aos poucos, percebe mudanças em seus sentidos e instintos.

A referência aqui é uma das mais claras já feitas pela série até então, o chip é a doutrinação exercida sobre os soldados a fim de criar motivação para a guerra. A analogia mais clara talvez seja com a invasão dos Estados Unidos ao Iraque, que ocorreu após o atentado de 11 de setembro.

Mas ainda há espaço para outra clara referência: a da intolerância com os imigrantes oriundos da guerra civil síria. No episódio, as baratas são tratadas como uma raça inferior por problemas genéticos e, em certo momento, é sugerido até que, por ser uma “sub-raça”, darão continuidade à problemas “comportamentais”.

As críticas às políticas de guerra dos Estados Unidos e à falta de humanidade e empatia pelas vítimas da guerra na Síria são não só bem articuladas pelas metáforas, mas também bem introduzidas ao longo da trama, que mesmo demorando um pouco para engrenar, oferece uma conclusão extremamente satisfatória.

Nos personagens, destaque apenas para dois. O primeiro deles é o protagonista Stripe, que é bem construído por Malachi Kirby, capaz de ir do jovem militar com sede de guerra ao homem inconformado e mentalmente entorpecido com sutileza, tornando o soldado crível e humano. O segundo é Arquette, o psiquiatra interpretado por Michael Kelly (o Doug de House Of Cards). Este traz uma atuação segura e contida, mas, graças ao roteiro, funciona como condutor da trama e é importantíssimo nas viradas da narrativa, além de ser a personificação de vários estereótipos e figuras da sociedade atual.

A fotografia faz bom uso de uma polaridade estética para mostrar a diferença da visão de mundo quando os personagens estão em guerra ou sonhando. O uso de cores fortes nos sonhos dos soldados serve  como sugestão  de  que o governo vende para eles uma “paz” a ser conquistada no fim da guerra, a fim de motivar os mesmos a completar suas missões.

Mesmo trazendo muitos acertos no roteiro, o episódio ainda peca pela má estruturação. Até a primeira grande virada, há uma demora preenchida por exageradas cenas que nem criam expectativa nem desenvolvem tanto os personagens, mesmo funcionando ao ambientar o espectador no clima de guerra que os personagens se encontram.

Engenharia Reversa é mais um excelente estudo social de Charlie Brooks, trazendo diversas camadas a serem vistas, revistas e dissecadas pelo espectador. Em um tempo onde a humanidade é ameaçada pela candidatura de figuras abjetas como Donald Trump ao posto de homem mais poderoso do planeta, é aterrorizante ver que a realidade trazida aqui já existe, só não possui a tecnologia da série para ser aplicada de forma tão brutal e desumana.

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